Engenharia Social, Pikachu e o Poder das Narrativas Globais.
- Valéria Monteiro
- 7 de abr.
- 4 min de leitura
Engenharia social é um termo que costuma aparecer em discussões sobre golpes digitais e ciberataques, mas seu alcance vai muito além do mundo virtual. Trata-se da manipulação psicológica de indivíduos ou grupos para influenciar comportamentos, opiniões ou decisões — seja por meio de medo, confiança ou sedução. Essa manipulação pode acontecer na política, na publicidade, na mídia… e até por trás de um simpático personagem de desenho animado.
Recentemente, uma polêmica na Turquia reacendeu o debate sobre cultura, identidade e controle simbólico. O alvo da vez foi Pikachu, o icônico personagem do universo Pokémon. Grupos conservadores acusaram a franquia japonesa de promover valores “ocidentais” que estariam corrompendo as crianças e ameaçando os pilares culturais do país. Embora sem provas concretas, a acusação ganhou força e ecoou em setores mais tradicionalistas — transformando o desenho animado em símbolo de uma disputa maior: a tensão entre modernidade global e identidade local.
Mas o mais interessante é perceber que esse tipo de reação não é novo — e nem exclusivo da Turquia. Há décadas, intelectuais ao redor do mundo vêm questionando a força do entretenimento global, especialmente o cinema americano, na formação do imaginário coletivo. Filmes de Hollywood, com seus heróis que resolvem tudo com força e individualismo, suas narrativas centradas no sucesso pessoal, consumo, armas e salvação pela tecnologia, são frequentemente apontados como ferramentas de um “imperialismo cultural” sutil, porém eficiente.
Essa crítica não parte de um moralismo raso, mas de uma análise estratégica: se valores são transmitidos por meio da arte e da cultura, então o controle das narrativas globais também é uma forma de poder. E quando esse poder é concentrado em grandes corporações ou governos, ele pode funcionar como uma sofisticada — e muitas vezes imperceptível — forma de engenharia social.
Países como a França, por exemplo, mantêm cotas de exibição para filmes nacionais, tentando equilibrar a presença de produções locais diante da avalanche hollywoodiana. Já em outros contextos, como no Oriente Médio, a censura a filmes considerados “ocidentais demais” revela uma tentativa de proteger valores locais diante da influência externa.

Curiosamente, mesmo onde há resistência, o consumo de produtos culturais globais segue alto. Isso mostra que a influência não se dá apenas pela imposição, mas também pelo encantamento. O que pode parecer um simples jogo, série ou filme é, na verdade, uma narrativa poderosa capaz de moldar hábitos, linguagens e até crenças.
No fim, a polêmica sobre o Pikachu na Turquia é só a ponta do iceberg. Ela revela uma questão muito maior: até que ponto temos controle sobre o que consumimos? Ou estamos sendo cuidadosamente guiados por estruturas que entendem, melhor do que nós mesmos, como pensamos, sentimos e desejamos?
A engenharia social está no ar — nos algoritmos, nas campanhas políticas, nas salas de cinema, nas redes sociais. E talvez o primeiro passo para escapar de suas armadilhas seja reconhecê-la… até mesmo quando ela vem disfarçada de um ratinho amarelo que solta raios.
Engenharia Social, Pikachu e o Poder das Narrativas Globais.
Por Valéria Monteiro Jornalista.
Quer mais? A conversa continua!
Se você curtiu, o debate sobre cultura, identidade e o poder das narrativas continua nesta quarta-feira, 9/04/2025 as 10h na próxima edição do Teoria de Tudo pelo Facebook @sabecaxias nosso novo parceiro aqui no site.
Liga no Teoria de Tudo e vem pensar com a gente!
Inglês:
Social Engineering, Pikachu, and the Power of Global Narratives.
By Valéria Monteiro.
Social engineering is a term that often appears in discussions about digital scams and cyberattacks, but its reach goes far beyond the virtual world. It refers to the psychological manipulation of individuals or groups to influence behaviors, opinions, or decisions — through fear, trust, or seduction. This manipulation can take place in politics, advertising, media… and even behind a friendly animated character.
Recently, a controversy in Turkey reignited the debate around culture, identity, and symbolic control. The target this time was Pikachu, the iconic character from the Pokémon universe. Conservative groups accused the Japanese franchise of promoting “Western” values that could corrupt children and undermine the cultural foundations of the country. Despite no concrete evidence, the accusation gained traction and resonated with more traditionalist sectors — turning a cartoon into a symbol of a larger conflict: the tension between global modernity and local identity.
But what’s most interesting is that this kind of reaction is neither new nor exclusive to Turkey. For decades, intellectuals around the world have questioned the influence of global entertainment — especially American cinema — on the collective imagination. Hollywood films, with their heroes who solve everything through strength and individualism, their narratives centered on personal success, consumerism, guns, and salvation through technology, are often seen as tools of a subtle yet effective form of “cultural imperialism.”
This criticism is not rooted in shallow moralism, but in strategic analysis: if values are transmitted through art and culture, then controlling global narratives is also a form of power. And when that power is concentrated in major corporations or governments, it can operate as a sophisticated — and often imperceptible — form of social engineering.
Countries like France, for example, enforce screening quotas for domestic films, trying to balance the dominance of Hollywood productions. In other regions, like the Middle East, censorship of films deemed “too Western” reflects an effort to protect local values from outside influence.
Interestingly, even where resistance exists, global cultural products are still widely consumed. This shows that influence doesn’t happen solely through imposition, but also through enchantment. What may appear to be just a game, series, or movie is, in fact, a powerful narrative capable of shaping habits, language, and even belief systems.
In the end, the Pikachu controversy in Turkey is just the tip of the iceberg. It reveals a much bigger question: how much control do we really have over what we consume? Or are we being carefully guided by structures that understand how we think, feel, and desire — better than we do ourselves?
Social engineering is in the air — in algorithms, political campaigns, movie theaters, and social media. And maybe the first step to escaping its traps is to recognize it… even when it’s disguised as a cute yellow mouse that shoots lightning bolts.
⸻
Want more? The conversation continues!
If this sparked your curiosity, the debate around culture, identity, and the power of storytelling continues this Wednesday, April 9, 2025, at 10 a.m. on the next edition of Teoria de Tudo, streaming on Facebook at @sabecaxias — our newest content partner here on the site.
Tune in and think with us — it’ll be worth it!
Tema importante, moderno e global. 👍