Edinburgh Festival Fringe 2025:
O maior palco livre do mundo.
Foto: Redes Sociais.
Edimburgo está, outra vez, tomada por artistas, música, riso, poesia e espetáculos que desafiam qualquer rótulo preguiçoso de “alta” ou “baixa” cultura. Começou a edição 2025 do Edinburgh Festival Fringe, o maior festival de artes do planeta, e até o fim de agosto serão milhares de apresentações — de teatro e dança a circo contemporâneo, cabaré, stand-up, performances de rua e experiências imersivas que fazem o público jurar que nunca mais verá arte do mesmo jeito.
A cidade inteira se converte em palco. Praças, bares, porões, salas improvisadas e até igrejas viram cenário. Apresentações de rua não pedem ingresso (embora a gorjeta no chapéu seja quase um ato cívico), mas os espetáculos em teatros e salas fechadas exigem entrada — e, para as produções mais disputadas, convém garantir o bilhete antes de embarcar no avião.
Este ano, o cardápio é tão diverso quanto ousado: Another Sight, do Teatro Cego do Brasil, mergulha o público em escuridão total para aguçar audição, tato e olfato; Lost Lear revisita Rei Lear sob a lente da demência, com poesia e delicadeza; e Wolf, da companhia australiana Circa, leva acrobacias a um nível em que até o Cirque du Soleil ficaria ligeiramente apreensivo. Na comédia, Lorna Rose Treen, Tim Key e Patti Harrison investem em formatos originais, enquanto veteranos como Miriam Margolyes e Bill Bailey provam que experiência também arranca gargalhadas.
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Uma história que começou à margem
O Fringe nasceu de um gesto simples, mas ousado. Em 1947, Edimburgo estreava o Festival Internacional, um evento requintado, com programação por convite. Oito companhias de teatro, ignoradas na lista, foram assim mesmo. Montaram seus espetáculos em espaços alternativos e mostraram que havia público para uma arte menos engessada e mais atrevida. No ano seguinte, o crítico Robert Kemp chamou aquilo de fringe — “margem” — e a palavra grudou.
A filosofia é cristalina: qualquer pessoa pode participar, sem curadoria ou seleção. Em 1958, nasceu a Fringe Society, que organiza a programação e a bilheteria, mas não interfere no conteúdo. É essa liberdade radical que faz caber, no mesmo festival, um monólogo experimental num porão úmido e uma superprodução de comédia musical com holofotes e orquestra.
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Celeiro de talentos
O Fringe é uma espécie de garimpo artístico global — e já rendeu pepitas valiosas. Foi ali que despontaram Rowan Atkinson (Mr. Bean), Emma Thompson, Hugh Laurie, Alan Rickman, Jude Law, Graham Norton, Maggie Smith, Judi Dench e Rachel Weisz, entre tantos outros. Até formatos de culto como The Mighty Boosh¹ nasceram no Fringe, provando que a estranheza certa, no palco certo, pode ganhar o mundo.
A cada edição, críticos, agentes e produtores rondam o festival como exploradores à caça do próximo grande nome — e não é raro que uma peça improvisada em um porão acabe meses depois lotando teatros do outro lado do Atlântico.
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Curiosidades que revelam o espírito do Fringe
• Escala monumental: mais de 3 milhões de ingressos vendidos por edição — maior que muitos eventos esportivos globais.
• Cidade-palco: performances surgem nas ruas, cafés, becos e, sim, até na fila do supermercado.
• Pluralidade radical: de grandes produções milionárias a monólogos de 20 minutos com orçamento de moedas perdidas no sofá.
• Encontros improváveis: um novato sem microfone pode arrancar mais aplausos que uma estrela de Hollywood, a poucos metros de distância.
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O espírito que permanece
Nunca estive na Escócia — ainda. Mas está nos meus planos visitar um amigo de longa data que mora lá, explorar a geografia, caminhar por ruas de pedra e registrar imagens que transmitam o sabor da cidade. Quero alinhar essa viagem ao Fringe, para viver de perto essa mistura de liberdade artística, intensidade criativa e encontros improváveis. Imagino voltar com a mala cheia de fotos, histórias e, quem sabe, ideias tão improváveis quanto inesquecíveis.
O Fringe é mais do que um festival: é a prova anual de que a arte mais viva costuma nascer assim — sem convite, mas com coragem, improviso e uma boa dose de ousadia.
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¹ The Mighty Boosh: dupla britânica de humor surreal criada por Noel Fielding e Julian Barratt, estreou no Fringe em 1998 e depois virou série de TV cult na BBC.

