A maquiagem é a pele.
Por Valéria Monteiro.
Envelhecer é perder contraste. Mas também é ganhar conversa no espelho.
Tenho insights ao passar um creme.
É um gesto antigo, quase automático — mas às vezes me surpreende.
Hoje, por exemplo, vi as rugas no meu queixo e me lembrei da minha obsessão adolescente com as da testa, que nem tinham chegado.
Eu as temia como se fossem sentença.
O tempo nos revela mais do que rugas.
Revela que muito do que temíamos não merecia causar tanta ansiedade.
Porque com o tempo aprendemos que ainda há muito a aprender —
e que as prioridades vêm da necessidade premente, não da expectativa alheia.
Durante anos, nos disseram:
“não deixe aparecer”, “esconda isso”, “realce aquilo”, “evite parecer cansada, velha, gasta”.
Mas será que eram verdades, essas?
Ou só medos disfarçados de conselho?
Verdades duras… ou apenas máscaras frágeis repetidas com autoridade?
Como se o corpo, ao viver, estivesse sempre devendo algo.
Como se envelhecer fosse falhar.
Mas o que falha, mesmo, é o olhar que só enxerga juventude como valor.
Enquanto homens ainda provam sua virilidade fazendo filhos com mulheres mais jovens,
nós seguimos sendo medidas por uma régua invisível —
uma régua que calcula o viço, a firmeza, a docilidade,
e o tempo que nos resta até sermos chamadas de “resolvidas demais” ou, simplesmente, ignoradas.
Já faz tempo que me conquistou a ideia de que morremos, por dentro, quando achamos que já aprendemos tudo —
quando acreditamos que saber mais que os outros nos protege da vida.
Hoje, olhando no espelho, noto que a maquiagem também envelheceu comigo.
Ela já não tenta esconder — tenta conversar.
Maquiar, agora, é dialogar com o que o rosto quer dizer,
não silenciar o que ele mostra.
É destacar o que vibra, não disfarçar o que passou.
Percebo que, ao envelhecer, o contraste se desfaz.
O chiaroscuro perde as bordas.
A linha entre luz e sombra suaviza, como quem já entendeu
que os extremos raramente dizem a verdade inteira.
E é por isso que eu insisto em manter a cor.
Não para parecer mais jovem, nem para enganar o tempo.
Mas para continuar me vendo.
Para lembrar que ainda pulsa aqui uma mulher viva —
cheia de dúvidas, de vontades, de histórias.
A maquiagem é a pele.
Porque agora ela também tem memória.
E porque este tempo traz vivência.
Traz entendimento.
E ainda assim… continuo passando o creme, tingindo os cabelos e me maquiando.
Por via das dúvidas.
Vai que o espelho também se contradiz.

