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Chá para nós!

Chá para nós!

Uma pausa sofisticada entre cultura, saúde e ritual.

Na infância, minha mãe não me deixava tomar café. Só em ocasiões especiais — e mesmo assim, com bastante leite, diluído, quase simbólico. O café era forte demais, adulto demais. O chá, ao contrário, era permitido. Em casa, chá queria dizer camomila, erva-doce, hortelã — flores que acalmavam, e que se tomava à noite, como quem cobre o dia com um lençol.

Às vezes, nas férias, um mate gelado na praia — vendido em garrafa térmica, doce, refrescante. Sem que se soubesse, também ali havia cafeína. Também ali, potência.

Nos anos 90, em uma loja em Florença, tive meu primeiro encantamento com o mundo do chá. Um amigo me levou até lá como quem apresenta um segredo. As estantes de madeira, os potes de vidro, as instruções precisas sobre temperatura da água, tempo de infusão, utensílios. O chá era tratado com solenidade e intenção. Mas eu não o bebi ali. Minha vida — de mãe solo em Nova York — era feita de urgências. Aquelas exigências delicadas não cabiam na pressa cotidiana. Guardei a lembrança como quem adia uma promessa.

Foi já de volta ao Brasil, no começo dos anos 2000, que o chá voltou a me encontrar. Estava em São Paulo, convidada para uma seleção especial no Hotel Emiliano. Ali experimentei meu primeiro chá de jasmim. O aroma floral, elegante, me envolveu de forma quase tátil. Sou capaz de acessá-lo até hoje. Mais do que o gosto, a atmosfera. O prazer daquele instante ainda repercute — uma delicadeza reencontrada.

De lá para cá, vi surgirem por aqui casas de chá que lembram, em espírito, aquela de Florença. Estabelecimentos sofisticados, com curadoria, silêncio e gesto. E também outras, mais populares, que cultivam o costume com simplicidade e afeto. O Brasil começou a desenvolver sua própria cultura do chá — entre o quintal e o salão.

Não por acaso, os nutricionistas também passaram a recomendar o chá. Não para substituir o café por completo, mas para alternar com inteligência. Os chás verdes, pretos e oolong contêm cafeína, sim — mas também L-teanina, que promove foco sem agitação. Há também os fermentados, como o pu-erh, e os mais sutis, como o branco, cheios de compostos antioxidantes. E as infusões de flores e ervas — como as da infância — seguem sendo calmantes naturais.

Há chás tão sofisticados quanto vinhos. Com safras raras, terroirs específicos, folhas enroladas à mão, cerimônias longas e preços altos. Mas a erva-cidreira do quintal ou da feira, preparada com cuidado, ainda é capaz de trazer conforto e descanso. O luxo está menos no custo do que na atenção.

O Brasil é também terra de folhas. Carqueja, guaco, alfavaca, capim-cidreira, erva-mate. Saber beber chá aqui também é escutar os saberes nativos e populares — os modos de cura e cuidado que atravessaram gerações e resistem.

Beber chá é mais do que ingerir algo quente. É praticar um gesto que atravessa culturas, sensibilidades e tempos. No Japão, é coreografia da presença. Na China, alquimia. Na Inglaterra, elegância. No Marrocos, hospitalidade. No Brasil, um território em formação — mistura de afeto, saber ancestral e vontade de pausa.

Mais do que bebida, o chá é linguagem. Um tempo que se oferece. Um cuidado que não se impõe — se propõe. Um ritual simples, íntimo e poderoso.

Hoje, há quem estude terroirs, utensílios, temperaturas. Mas o essencial permanece: uma folha, um pouco de água quente, e a disposição para pausar.

Talvez seja isso que o chá nos oferece: a lembrança de que nem tudo precisa ser urgente. Que há beleza em sentar, esperar, servir. E então — apenas — beber.



Para começar ou aprofundar seu caminho no chá

🌿 Sugestões por momento do dia
☀️ Manhã – Chá verde (sencha ou matcha), mate tostado ou oolong leve – para estimular com equilíbrio
🌤️ Tarde – Chá branco, jasmim, hortelã ou gengibre – digestão e leveza
🌙 Noite – Camomila, capim-cidreira, melissa, lavanda – para desacelerar

🍃 Como escolher bons chás
– Prefira folhas soltas, com cor viva e aroma fresco
– Evite blends industrializados com aditivos artificiais
– Armazene longe da luz, umidade e calor
– Busque lojas especializadas, herboristas ou produtores artesanais

🌱 Ervas brasileiras e saberes ancestrais
– Carqueja – digestiva, depurativa
– Guaco – expectorante natural, broncodilatador
– Alfavaca – calmante, aromática, próxima do manjericão
– Capim-cidreira (lemongrass) – relaxante físico e emocional
– Erva-mate – símbolo do sul, estimulante e de partilha

Como preparar o chá perfeito

A temperatura da água e o tempo de infusão fazem toda a diferença — e transformam o sabor.

🫖 Regra geral:
• Folhas delicadas (como chá branco e verde) pedem água quente, mas não fervente
• Ervas e raízes mais densas (como gengibre, canela, guaco) podem ser fervidas rapidamente
• Flores e folhas leves (como camomila, cidreira, alfavaca) devem apenas descansar em água quente



🌿 Temperaturas e tempos ideais

Tipo de chá / infusão
Temperatura da água
Tempo de infusão
Chá branco
70–75 °C
4–5 minutos
Chá verde
75–80 °C
2–3 minutos
Chá oolong
85–90 °C
3–5 minutos
Chá preto
90–95 °C
3–5 minutos
Infusões de flores
90 °C (sem ferver)
5–7 minutos
Infusões de raízes
100 °C (fervura)
5–10 minutos
Erva-mate (chimarrão)
70–80 °C
Reposição constante

💡 Dica prática:
Se você não tem termômetro, observe as bolhas da água:
– Pequenas bolhas no fundo = ~70–80 °C
– Bolhas médias subindo = ~85–90 °C
– Ebulição forte = 100 °C

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

23 de junho de 2025 às 12:37:25

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