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1º de Maio:

Do Sangue Operário às Interfaces Digitais.

1º de Maio:

O Dia do Trabalhador, celebrado em 1º de maio em boa parte do mundo, carrega consigo a marca de lutas intensas, conquistas históricas e uma constante transformação nas relações entre capital e trabalho. Sua origem remonta ao final do século XIX, quando operários em Chicago organizaram greves massivas exigindo a jornada de oito horas diárias. Em 1886, a repressão a esses protestos culminou na morte de trabalhadores e na prisão de líderes sindicais, muitos dos quais seriam posteriormente executados. A data foi oficializada como símbolo da resistência e da dignidade do trabalho.

Mais de um século depois, o cenário mudou profundamente — não apenas em termos de leis trabalhistas, mas na própria definição do que é trabalho. A Revolução Digital, iniciada nas últimas décadas do século XX, abriu caminho para o que hoje chamamos de Quarta Revolução Industrial, marcada pela inteligência artificial, automação, plataformas digitais e o trabalho em nuvem. Nesse novo contexto, o 1º de maio já não fala apenas de fábricas e jornadas presenciais, mas de algoritmos, gig economy, e da dissolução das fronteiras entre vida profissional e pessoal.

O trabalho remoto, acelerado pela pandemia da COVID-19, revelou tanto possibilidades quanto dilemas. Por um lado, permitiu flexibilidade e inclusão geográfica. Por outro, acentuou desigualdades entre quem tem acesso à tecnologia e quem ainda depende da presença física para garantir o sustento. Ao mesmo tempo, as plataformas digitais transformaram motoristas, entregadores e freelancers em “empreendedores de si mesmos”, mas com pouca ou nenhuma proteção social. Muitos dos direitos conquistados pelos movimentos operários — como férias, aposentadoria, seguro-desemprego — estão ameaçados por vínculos cada vez mais frágeis e impessoais.

Além disso, a ascensão da inteligência artificial generativa, capaz de redigir textos, programar, compor músicas ou até tomar decisões operacionais, coloca em xeque o futuro de inúmeras profissões. Não é mais apenas o trabalhador braçal que corre risco de substituição — mas também jornalistas, professores, analistas, advogados e criadores de conteúdo. A lógica do lucro, agora turbinada pela eficiência algorítmica, pressiona pela redução de custos humanos enquanto amplia a dependência tecnológica.

Nesse contexto, o espírito do 1º de maio precisa ser atualizado. Não se trata apenas de relembrar lutas passadas, mas de reconhecer as novas batalhas que se desenham: pela regulamentação do trabalho digital, pela proteção de dados pessoais, pelo direito à desconexão, pela transparência nos usos da IA. O que está em jogo não é apenas o emprego, mas a dignidade do trabalhador diante de máquinas que aprendem e plataformas que decidem.

Celebrar o Dia do Trabalhador em 2025 é, portanto, um convite à reflexão sobre o que significa ser humano em um mundo cada vez mais automatizado. É reafirmar que, por mais que mudem as ferramentas e os formatos, o trabalho continua sendo uma expressão essencial da nossa existência — e que sua valorização exige, ontem como hoje, luta, consciência e solidariedade.

Inglês:
May 1st: From Workers’ Blood to Digital Interfaces.
By Valéria Monteiro.

International Workers’ Day, celebrated on May 1st in much of the world, bears the legacy of intense struggles, historic victories, and the ongoing transformation of labor relations. Its origin traces back to the late 19th century, when workers in Chicago launched massive strikes demanding an eight-hour workday. In 1886, the brutal repression of these protests led to the deaths of workers and the imprisonment—and eventual execution—of union leaders. The date was later established as a symbol of resistance and the dignity of labor.

More than a century later, the landscape has changed profoundly—not only in terms of labor laws, but in the very definition of work. The Digital Revolution, which began in the closing decades of the 20th century, paved the way for what we now call the Fourth Industrial Revolution—marked by artificial intelligence, automation, digital platforms, and cloud-based work. In this new context, May 1st no longer evokes only factories and physical shifts, but algorithms, the gig economy, and the blurring of lines between personal and professional life.

Remote work, accelerated by the COVID-19 pandemic, has revealed both opportunities and dilemmas. On one hand, it brought flexibility and geographic inclusion. On the other, it deepened the divide between those with access to technology and those still reliant on physical presence to make a living. At the same time, digital platforms turned drivers, couriers, and freelancers into “entrepreneurs of themselves,” often with little or no social protection. Many of the rights won by labor movements—such as paid leave, retirement, and unemployment insurance—are now under threat, undermined by increasingly fragile and impersonal work relationships.

Moreover, the rise of generative AI—capable of writing, coding, composing music, or even making operational decisions—challenges the future of countless professions. It’s no longer just manual labor that’s at risk of automation, but also journalists, teachers, analysts, lawyers, and content creators. The logic of profit, now supercharged by algorithmic efficiency, drives down human costs while increasing technological dependency.

In this context, the spirit of May 1st must be reimagined. It’s not only about honoring past struggles, but recognizing the emerging battles ahead: for digital labor regulation, personal data protection, the right to disconnect, and transparency in AI use. What’s at stake is not just employment—but the very dignity of workers in a world where machines learn and platforms decide.

Celebrating Workers’ Day in 2025 is, therefore, an invitation to reflect on what it means to be human in an increasingly automated world. It’s a reaffirmation that, despite changing tools and formats, work remains a vital expression of our existence—and that valuing it still demands, as always, struggle, awareness, and solidarity.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

1 de mai. de 2025

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