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Democracia de portas fechadas:

Quando o Parlamento legisla para si mesmo.

Democracia de portas fechadas:

Foto: Instagram

Esta semana a importância da transparência legislativa está escancarada — e comprovou-se que, para muitos, ela é opcional. No momento em que o Legislativo federal silencia sua própria TV e expulsa a imprensa do plenário, assembleias estaduais também mostram que privilégios, blindagens e autoproteção continuam vivos — não como exceções, mas como regra.

(Scroll down for English)

Na Câmara dos Deputados, o deputado Glauber Braga ocupou a presidência da Casa em protesto. A reação institucional: jornalistas foram retirados do plenário, a transmissão pública foi cortada, e o registro oficial dos eventos desapareceu — restaram apenas gravações avulsas, relatos dispersos, fragmentos nas redes sociais. Em pleno “templo da representação popular”, o poder decidiu o que valia ser visto.

No mesmo dia, o presidente da Casa, Hugo Motta, pautou para votação o projeto que reduz penas de condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 — batizado de PL da Dosimetria. A pressa da pauta, o silêncio sobre o debate e o contexto de controle tornam a medida potencial porta de saída para impunidade.

E o que acontece fora de Brasília? No estado do Rio, a Alerj aprovou nesta semana a revogação da prisão preventiva do seu presidente, Rodrigo Bacellar, preso pela PF sob acusação de vazamento de informações sigilosas ligadas a investigações sobre crime organizado.

A soltura saiu por 42 votos a 21, em votação plenária da própria Alerj — instância que, no Brasil contemporâneo, muitas vezes decide sobre a liberdade ou a detenção de seus próprios membros.

O problema: um sistema de autoproteção
• O Parlamento deixa de representar o povo — e passa a proteger a si mesmo.
• Leis sensíveis que deveriam merecer debate público estão sujeitas a manobras rápidas, em janelas reduzidas de visibilidade.
• Quando ocorrem prisões — mesmo baseadas em investigação da Justiça — a própria Casa Legislativa pode revertê-las, permitindo a liberdade instantânea de quem detém poder.
• A opacidade, o controle da narrativa e as decisões internas de blindagem corroem os pilares da democracia — fiscalização, participação e igualdade perante a lei.

O que resta à sociedade

Se a política se fecha para o cidadão — se decide quem pode ver, quem pode julgar, quem pode ser protegido — então a democracia vira privilégio e conveniência. Para cada toque do martelo, para cada leitura de lei alterada, desmonta-se um pouco da confiança pública.

Se a política existe para transformar e representar, hoje ela parece cada vez mais um instrumento de autopreservação. E a pergunta que fica é amarga — mas necessária: quando o Parlamento legisla para si mesmo, quem legisla para o povo?


Inglês:
Closed‑door democracy: When Parliament legislates for itself

This week brought into stark relief a troubling truth: for many in Brazil’s political institutions, transparency is optional. While the federal legislature silenced its own TV and expelled the press from the chamber, state assemblies are also signalling that privilege, protection and self‑interest remain the rule — not the exception.

In the Brazilian Chamber of Deputies, deputy Glauber Braga occupied the Speaker’s chair in protest. The institution’s response: journalists were removed from the plenary, public broadcast was cut, and the official record vanished — leaving only scattered recordings, social‑media fragments and isolated testimonies. In what should be the “house of the people,” power decided what was worth seeing.

That same day, the Speaker, Hugo Motta, scheduled a vote for the bill that reduces sentences of those convicted for the January 8, 2023 anti‑democratic acts — known as the PL da Dosimetria. The urgency, silence and control around the discussion make the measure a potential pathway to impunity.

And outside Brasília? In the state of Rio de Janeiro, the Legislative Assembly of Rio de Janeiro (Alerj) this week approved the revocation of the preventive detention of its president, Rodrigo Bacellar — arrested by the federal police on allegations of leaking classified information tied to ongoing criminal‑organization investigations.

The release came via 42 votes against 21, in a plenary vote within the same Alerj — an example of how, today in Brazil, legislative bodies often decide on the freedom or detention of their own members.

The problem: a system of self‑protection
• Rather than representing the people, the Parliament shields itself.
• Sensitive legislation that warrants public debate is rushed through during windows of limited transparency.
• Even when arrests occur — based on judicial investigation — legislatures can reverse them overnight, freeing powerful figures.
• Opacity, narrative‑control, and internal shielding corrode democracy’s foundations — oversight, participation, equality before the law.

What remains for society

If politics now shuts its doors to the citizen — dictating who sees, who judges, who is protected — then democracy becomes privilege and convenience. With every hammer strike and every altered clause, public trust erodes.

If politics should transform and represent, today it increasingly serves to preserve itself. The bitter question lingers — but must be asked: when Parliament legislates for itself, who legislates for the people?

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

10 de dez. de 2025

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