Lealdade e vingança:
Faces complementares da mesma moeda de poder.

Créditos: Joédson Alves/Agência Brasil.
🇧🇷 Não, não é apenas “como a política funciona”.
É como ela escolheu funcionar — e como continuamos aceitando que funcione.
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O episódio envolvendo Celso Sabino, o União Brasil e o presidente Lula não revela apenas pragmatismo. Revela algo mais grave: a naturalização de uma lógica em que a lealdade é punida e a vingança é travestida de governabilidade.
O União Brasil, partido de centro-direita e um dos maiores do país, decidiu desembarcar do governo, flertando com o bolsonarismo residual. Não por convicção ideológica profunda, mas por cálculo eleitoral. Exigiu que seus ministros deixassem os cargos, inclusive Sabino, que optou por permanecer ao lado do presidente, às vésperas da COP30 — o maior evento internacional do Brasil neste terceiro mandato.
Sabino pagou caro por sua escolha: foi expulso do partido e, pouco depois, demitido do ministério. Muitos enxergam coragem; outros, ingenuidade. Ambos ignoram o essencial: a política não pune intenções, pune desalinhamentos.
O presidente, por sua vez, não age por rancor. Ele envia uma mensagem clara: cargos pertencem à coalizão, não ao indivíduo. Ao oferecer o ministério ao mesmo partido que rompeu com o governo, Lula reafirma a lógica da governabilidade e da disciplina interna. E ao mesmo tempo, evidencia a tensão com o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, que se sentiu atingido por declarações públicas de Lula questionando afinidades e confiabilidade.
A ironia cruel é que a “lealdade” exigida na política já nasce corrompida. Não se exige fidelidade ao cidadão, mas à engrenagem que mantém o governo em funcionamento. Quando a obediência à coalizão vale mais do que o compromisso com o interesse público, a lealdade deixa de ser virtude democrática e se transforma em ferramenta de controle. A vingança institucional — silenciosa, racional, administrativa — corrige precisamente aqueles que insistem em olhar para fora quando o sistema exige olhar para dentro.
Sabino não errou por ser leal.
Errou por ser leal sozinho, sem respaldo partidário. A punição não é desvio moral; é mecanismo funcional. E é imoral? Sim. Mas a política brasileira — estruturada para barganha, coalizão e manutenção da maioria — sempre foi imoral nesse sentido: a ética do interesse público é subordinada à ética da obediência.
O problema não é apenas individual. É estrutural.
Enquanto cargos e ministérios forem moeda de troca para sustentar coalizões e votos, gestos de lealdade genuína continuarão a ser punidos, e a vingança institucional será celebrada como disciplina.
O poder é funcional, frio, calculista. A moralidade, se houver, é colateral.
E o silêncio que o acompanha não é realismo.
É cumplicidade.
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Inglês:
Loyalty and vengeance: complementary faces of the same coin of power
No, this is not just “how politics works.”
It is how politics has chosen to work — and how we continue to allow it to do so.
The episode involving Celso Sabino, União Brasil, and President Lula reveals more than pragmatism. It exposes a graver truth: the normalization of a logic in which loyalty is punished and vengeance masquerades as governance.
União Brasil, a center-right party and one of the largest in Brazil, decided to leave the government, flirting with residual Bolsonaro factions. Not out of deep ideological conviction, but for electoral calculation. It demanded that its ministers resign, including Sabino, who chose to stay loyal to the president, just before COP30 — Brazil’s most important international event in Lula’s third term.
Sabino paid the price: expelled from his party and soon dismissed from the ministry. Some see courage; others, naivety. Both miss the essential: politics punishes misalignment, not intentions.
The president, in turn, does not act out of spite. He sends a clear message: ministerial positions belong to the coalition, not the individual. By offering the ministry to the same party that left the government, Lula reaffirms the logic of governance and internal discipline, while exposing tension with União Brasil’s president Antônio Rueda, who felt targeted by Lula’s public statements questioning alliances and reliability.
The cruel irony is that “loyalty” in politics is already contaminated at birth. Loyalty is not to the citizenry but to the machinery that keeps the government running. When coalition obedience outweighs commitment to the public interest, loyalty ceases to be a democratic virtue and becomes a tool of control. Institutional vengeance — silent, rational, administrative — punishes precisely those who insist on looking outward when the system demands inward focus.
Sabino did not err for being loyal.
He erred by being loyal alone, without party backing. The punishment is not a moral deviation; it is a functional mechanism. And is it immoral? Yes. But Brazilian politics — structured around bargaining, coalitions, and maintaining a majority — has always been immoral in this sense: public interest ethics are subordinated to obedience ethics.
The problem is not just individual. It is structural.
As long as positions and ministries remain currency to sustain coalitions and votes, genuine acts of loyalty will continue to be punished, and institutional vengeance will be celebrated as discipline.
Power is functional, cold, calculating. Morality, if it exists, is incidental.
And the silence that accompanies it is not realism.
It is complicity.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
19 de dez. de 2025

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