Marina, Se Coloque no Seu Lugar-
O Machismo Já Escolheu o Assento.
No Senado, uma ministra eleita é interrompida, desrespeitada e mandada calar — tudo sob o pretexto de “debate democrático”
Na última terça-feira, 27 de maio de 2025, a ministra do Meio Ambiente e deputada federal eleita, Marina Silva, compareceu à Comissão de Infraestrutura do Senado para discutir a criação de unidades de conservação na Margem Equatorial. Um tema urgente, técnico, estratégico — tudo que exige seriedade. Mas bastou a ministra abrir a boca para o que deveria ser uma audiência pública se transformar em um espetáculo de desrespeito.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), que presidia a sessão, a interrompeu e declarou, com todas as letras: “A mulher merece respeito, a ministra, não.”
Pausa.
Essa frase, que talvez tenha sido proferida com ar de civilidade, é um contrassenso grotesco. Como é possível respeitar uma mulher — e ao mesmo tempo negar sua autoridade pública? Esse tipo de colocação não é respeito — é condescendência disfarçada de gentileza. É o velho cavalheirismo tóxico que abre a porta, mas fecha o microfone.
Tentar separar Marina da sua função é uma estratégia política clara: apagar a ministra, deixando apenas a figura da “mulher que deve saber seu lugar”. Mas Marina estava ali como ministra, e como mulher. Uma coisa não anula a outra — são indissociáveis. E ao sugerir que ela “se colocasse em seu lugar”, como também fez o próprio presidente da comissão, fica claro que o tal “lugar” não é o da fala, do poder, da decisão. É o da obediência, da subalternidade, do enfeite institucional.
Importante destacar: este texto não é uma defesa pessoal de Marina Silva. É uma denúncia do que ela representa neste episódio — e do que milhões de mulheres enfrentam todos os dias em instituições públicas e privadas em todo o Brasil. Porque se uma ministra negra, ambientalista, com décadas de serviço público e reconhecimento internacional é tratada assim, imagine as que não têm câmera, microfone ou cargo.
O Congresso Nacional deveria ser um minicosmos do país, um espelho plural da sociedade. Mas, via de regra, o que temos é uma reprodução enviesada da realidade: um espaço onde homens ocupam a maioria dos assentos, das falas, dos holofotes — e das ofensas.
Durante a CPMI da COVID, nenhuma senadora foi oficialmente convidada a compor a comissão. Nenhuma. E quando as poucas parlamentares mulheres ousam se colocar com firmeza, não raro são tachadas de “desequilibradas” — o adjetivo universal da misoginia política, que transforma assertividade em histeria, divergência em descontrole emocional.
O Congresso, afinal, não está ali só para espelhar o país — está ali para conduzi-lo. Não basta representar o Brasil como ele é; é preciso trabalhar pelo Brasil que ele pode ser. Mas o que vimos naquela sessão foi exatamente o oposto: um Parlamento que se comporta como reflexo acomodado do que há de mais ignorante na cultura política que o elegeu.
Em vez de puxar a evolução civilizatória, alguns parlamentares preferem alimentar os paradigmas mais ultrapassados, aqueles que naturalizam o desrespeito, o autoritarismo e a misoginia institucional. O lugar que o machismo escolheu para a mulher na política é o da plateia — e, se ela ousar falar, que fale baixo, com um sorrisinho conciliador. Sem voz, sem autoridade, sem incômodo.
Marina saiu da sala. Mas saiu inteira. Quem ficou, saiu menor — e nos lembrou, mais uma vez, que o maior obstáculo para mulheres na política brasileira não é a falta de competência. É a falta de respeito.
E da próxima vez que alguém perguntar “por que ainda precisamos falar tanto de feminismo?”, mostre esse vídeo. Porque o “não te respeito” não é só para a Marina. É um recado para todas nós.
⸻
Como cidadã e indignada com o desrespeito institucionalizado, proponho uma denúncia formal ao Conselho de Ética do Senado contra os parlamentares envolvidos nesta sessão.
Convido leitoras e leitores a apoiarem esta iniciativa assinando a petição abaixo, que será encaminhada ao Conselho de Ética do Senado para que investigue e responsabilize os parlamentares pelo desrespeito à ministra Marina Silva e, simbolicamente, a todas as mulheres.
⸻
PETIÇÃO AO CONSELHO DE ÉTICA DO SENADO FEDERAL
À
Mesa Diretora do Senado Federal
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
Nós, cidadãs e cidadãos brasileiros, vimos por meio desta solicitar a abertura de procedimento para apuração da conduta dos senadores que, durante sessão da Comissão de Infraestrutura realizada em 27 de maio de 2025, praticaram atos incompatíveis com o decoro parlamentar e o respeito à dignidade humana, manifestados pela deslegitimação e desrespeito público contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Destacamos especialmente a fala do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que afirmou que “a mulher merece respeito, a ministra não”, e a postura do presidente da comissão que recomendou que a ministra “se colocasse no seu lugar”. Tais atos configuram grave violação ao Código de Ética do Senado e perpetuam a misoginia institucional, impedindo o pleno exercício da democracia e da autoridade feminina.
Solicitamos que sejam adotadas as providências cabíveis para garantir que o Senado seja ambiente de respeito e igualdade, e que comportamentos abusivos como estes sejam devidamente punidos, reafirmando o compromisso com a ética, o decoro e o avanço civilizatório do país.
⸻
Assine e apoie esta denúncia!
Junte sua assinatura digital ou seu apoio aqui:
https://chng.it/QDTVR9wKdJ

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
28 de mai. de 2025

Leia Também
De quem é Nova York.
Entre despejos e arranha-céus, a eleição de Zohran Mamdani redefine a ideia de cidade — e desafia o capital global.

