top of page

O Legado de Pepe Mujica :

Um homem maior que o cargo num tempo de vaidades, privilégios e promessas vazias.

O Legado de Pepe Mujica :

Foto: Agência Brasil.

O mundo perdeu ontem um dos seus maiores exemplos de coerência, simplicidade e integridade na política. José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu deixando um legado que vai muito além das fronteiras do seu país, e muito além da política institucional. Mujica foi, para milhões, um farol ético, num tempo de vaidades, privilégios e promessas vazias.

Em tempos em que o poder frequentemente corrompe ou distancia, Mujica se tornou símbolo de uma liderança radicalmente próxima. Viveu como falava. Morou em uma chácara modesta, dirigia seu fusca azul, recusou-se a enriquecer com o cargo. Doou a maior parte do salário como presidente para projetos sociais. Preferia o silêncio das flores ao barulho dos palácios. E isso não era marketing, era escolha de vida.

Ex-guerrilheiro tupamaro, preso durante mais de uma década em condições desumanas, Pepe saiu da prisão não com rancor, mas com uma visão profunda sobre liberdade, perdão e humanidade. Sua trajetória o transformou num político filósofo. Em tribunas internacionais, como a ONU ou conferências ambientais, seus discursos ecoaram como alertas morais em meio à indiferença global.

Com voz calma e ideias firmes, ele nos lembrou que o consumo desenfreado nos aliena, a ganância nos desumaniza e a política sem valores nos condena. Essa trindade de advertências sintetiza a alma de sua mensagem ao mundo. Mujica não apenas apontava os erros do sistema, ele os vivia na contramão, como resistência viva ao modelo de sucesso que atropela o essencial.

Durante seu mandato como presidente do Uruguai, entre 2010 e 2015, liderou transformações que surpreenderam o mundo: legalização da maconha, do casamento igualitário, do aborto. Medidas ousadas, mas profundamente humanistas. Ele defendia que o Estado deveria estar a serviço das pessoas, todas elas, especialmente as mais invisíveis.

Mujica nos ensinou que grandeza não está no cargo, mas na consciência com que se ocupa o cargo. Mostrou que política pode ser vivida com desapego, com profundidade e, sobretudo, com amor às pessoas.

Com sua morte, não perdemos apenas um ex-presidente. Perdemos um símbolo raro de coerência e coragem ética. Em tempos de líderes performáticos e promessas líquidas, Mujica foi raiz. Sua ausência física nos entristece, mas o que ele plantou, no Uruguai, na América Latina e no mundo, seguirá florescendo.

Talvez o Comitê Nobel nunca tenha lhe entregue o Prêmio da Paz, mas isso pouco importa. O mundo o reconheceu em vida e, agora, com sua partida, mais do que nunca, reconhece: Mujica foi um dos grandes.

Que descanse em paz, e que sua semente siga germinando onde mais precisamos, no coração da política, e no coração de cada um de nós.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

14 de mai. de 2025

Leia Também

De quem é Nova York.

Entre despejos e arranha-céus, a eleição de Zohran Mamdani redefine a ideia de cidade — e desafia o capital global.

Um simples exame de sangue que pode detectar mais de 50 tipos de câncer.

Por Valéria Monteiro.

bottom of page