O que diz uma manchete enganosa

Fui ao balé com um amigo. Só isso. Mas bastou uma foto nossa para que uma manchete insinuasse um romance.

Nilson é meu parceiro de conversas há mais de uma década. Debatemos política, trocamos receitas, nos escolhemos como companhia durante a pandemia. Uma amizade rara — e por isso, preciosa.

Mas parece que, para alguns, se há um homem e uma mulher na mesma imagem, deve haver romance.

É curioso como certas narrativas continuam preguiçosamente vivas. A convivência entre gêneros ainda é sexualizada por padrão. A amizade vira escândalo. O afeto vira fofoca. A presença vira insinuação.

E não é de hoje. Desde os anos 80, qualquer jantar, dança ou abraço virava suposição de namoro. Já desmenti tantos que, se fossem reais, eu teria hoje uma planilha de ex com três abas e um anexo judicial.

A pergunta que fica é: o que essa necessidade de rotular diz sobre a sociedade? Diz que muita gente ainda não aceita a amizade entre homem e mulher como possibilidade legítima. Diz que o público feminino continua sendo lido como uma extensão da vida afetiva — nunca como protagonista autônoma da própria história. Diz que a vida privada de uma mulher, especialmente a mais velha, ainda vende mais do que o trabalho que ela produz.

E diz mais: que a simples presença de um homem ao nosso lado pode gerar suposições capazes de prejudicar relações reais, futuras ou presentes. Amizades se afastam. Pessoas se retraem. O constrangimento da especulação pesa.

Hoje em dia, inclusive, uma insinuação mal escrita poderia até render um processo judicial. E não, não é o caso. Mas poderia ser.

A responsabilidade de quem escreve é imensa. Uma frase jogada, uma insinuação boba, pode alterar a percepção pública da vida de alguém.

No meu caso, ganhei visibilidade. Rendeu audiência, até risos. Mas não é sempre que se ri.

Minha vida é interessante, sim. Eu faço questão que seja. Mas antes de deduzir, pergunte. Eu respondo com clareza. Como sempre.