Política não é diplomacia:
E Lula precisa lembrar disso.
Presidente Lula concede entrevista à Christiane Amanpour, da CNN • Reprodução CMM.
A política busca apoio, a diplomacia constrói estabilidade. Uma mobiliza discursos; a outra exige silêncio estratégico. Ambas são ferramentas essenciais do poder, mas não podem ser confundidas. No cenário internacional, saber distinguir entre elas é uma virtude — e, mais que isso, uma responsabilidade de quem fala em nome de um país.
Na entrevista concedida à jornalista Christiane Amanpour, o presidente Lula trocou a linguagem da diplomacia pelo tom de palanque. Ao afirmar que Donald Trump “não foi eleito para ser imperador do mundo” e que, se o 6 de janeiro tivesse ocorrido no Brasil, ele “já estaria sendo julgado e provavelmente condenado” — como Jair Bolsonaro —, Lula falou como político que confronta a extrema direita. Mas se esqueceu de que, ali, representava o Brasil diante de uma das maiores potências econômicas e de um parceiro comercial estratégico.
Não se trata de suavizar verdades nem de recuar diante de princípios. Trata-se de entender que, no palco da diplomacia, a escolha do momento e da forma pode reforçar ou enfraquecer o próprio argumento. E, nesse caso, a fala pública de Lula ocorreu justamente quando negociações paralelas tentam reverter a decisão de Trump de elevar tarifas sobre produtos brasileiros em até 50%.
Mais do que declarações de impacto, o que o Brasil precisa é proteger setores econômicos estratégicos — como o aço, o café, o suco de laranja e a Embraer — que não só sustentam empregos e produção interna, mas também impactam cadeias produtivas nos próprios Estados Unidos. Confrontar Trump agora, no campo da retórica, não serve a esses interesses. Ao contrário: pode torná-los ainda mais vulneráveis a decisões unilaterais movidas por ego e cálculo eleitoral.
Lula já demonstrou habilidade política ao longo de sua trajetória — do sindicalismo à presidência. Mas deveria saber que, na diplomacia, o excesso de protagonismo pode ser um ruído. Ao usar a entrevista como extensão de seu palanque, tentando medir forças com Trump no campo da visibilidade, comprometeu a discrição que o momento exigia. E, se o objetivo era defender o Brasil, a estratégia foi equivocada.
Quando perguntado se as relações entre Brasil e Estados Unidos estavam em crise, Lula respondeu que não. Mas se, por acaso, estiver errado, talvez essa entrevista tenha inaugurado o início dessa tensão. E ela não vem do conteúdo em si, mas da forma — e da insistência em transformar princípios em armas públicas, quando o que se exige é precisão diplomática e clareza nos bastidores.
A diplomacia não é submissão. É firmeza sem espetáculo. É o espaço onde valores e interesses convivem — e onde, muitas vezes, ceder na forma é a única maneira de manter a substância.
O Brasil tem a oportunidade de atuar como ponte entre blocos, como voz do Sul global, como mediador em tempos de nova multipolaridade. Mas, para isso, precisa falar com todos — inclusive com os que pensa combater.
Lula exige que Trump não interfira nos assuntos internos brasileiros. Mas, se quiser que sua palavra tenha peso, não pode entrar na negociação internacional gritando “No King” para, na sequência, sentar-se à mesa como se fosse o arauto da razão moral. Diplomacia exige o contrário: saber o que dizer — e o que não dizer — para conseguir o que realmente importa.
Lula sabe fazer política como poucos. Agora, mais do que nunca, precisa demonstrar que também sabe fazer diplomacia.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
17 de jul. de 2025

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