
A Epidemia dos Agitadinhos.
José Antonio Pinotti é Psicólogo, Homeopata e Engenheiro de Computadores.
18 de nov. de 2025
A Psicose Maníaco-Depressiva (PMD), ou transtorno bipolar, ou ciclotimia, é antes de mais nada uma psicose. Ela é caracterizada pela sabotagem dos vínculos em geral (com o mundo, com o próprio corpo e com as pessoas), fazendo com que a pessoa sempre viva ferrada. São comuns os delírios (alterações do fluxo de raciocínio) e as alucinações (alterações das percepções), com seus desdobramentos nas escolhas cotidianas. Como em toda psicose, é comum haver afinidade com muletas químicas — um lado “junkie” que abusa de substâncias para provocar sensações, tentando contornar uma existência desgastante por meio de escapismos. Sem dúvida é muito desagradável essa sensação de desconexão com a vida, de estar em um estado semi-encarnado, onde se torna necessária a busca constante por experiências de pico para tentar se sentir vivo. O que não deixa de ser um vício por adrenalina, uma tendência a buscar situações estressantes.
É comum o predomínio em um dos polos. Se for no inferior, pode parecer um depressivo. Mas não é, pois, se tomar algum remédio antidepressivo clássico, como fluoxetina (Prozac) ou outros inibidores de recaptação de serotonina, pode migrar para um surto maníaco brabo. E como ninguém gosta da dor da melancolia, é comum buscar o agito e a potência da euforia, que pode ser ainda mais destrutiva, fazendo a pessoa colocar os pés pelas mãos, extrapolar limites e tornar-se destemida, valente e pró-ativa. E, claro, fazendo escolhas erradas, cujas consequências acabam colocando-a novamente no polo depressivo, em um banho de realidade.
É interessante como o agito eufórico torna a pessoa alto-astral, vigorosa, empreendedora, carismática e sensual, numa síndrome de Silvio Santos. Esse agito afeta o funcionamento adrenérgico, fazendo as suprarrenais produzirem muita adrenalina, o que gera metabolismo acelerado, hipoglicemia, pâncreas preguiçoso (insulina pra quê?) com tendência a diabetes, insônia ou hábito de madrugar, bem como o acúmulo de cortisol, gerando cansaço e estresse. Isso também pode gerar hiperatividade, tônus corporal e magreza, que na nossa sociedade são percebidos como algo sensual. O agito passa a fantasia de que a pessoa deve ser um furacão na cama, e sua mímica facial acima da média passa a impressão de que é simpática e atenciosa. Tudo isso, obviamente, vem acompanhado de impaciência e agressividade, muitas vezes traduzidas como misantropia, aversão ao ser humano, busca por isolamento, sabotagem de conexões saudáveis e atração por relações tóxicas. E, claro, isso vem junto com uma profunda ansiedade, cuja exacerbação vira síndrome do pânico — um sobressalto por alguma desgraça iminente e indefinida.
Ironicamente, esse quadro vem sendo rotulado por pessoas despreparadas como TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade) ou DDA (déficit de atenção), só para vender remédios como Ritalina, Venvanse ou Concerta, que são moléculas modificadas de anfetaminas, que aceleram ainda mais, gerando um efeito paradoxal de foco temporário. Alguns psiquiatras mais perceptivos prescrevem medicamentos desacelerantes que estabilizam o humor, como bupropiona ou Atentah. O fato é que todos esses remédios funcionam (junto com seus efeitos colaterais), mas o que está sendo suprimido é o sintoma rotulado de TDAH e não o núcleo acelerado do problema, que gera outros desdobramentos na vida. Também é engraçado como tudo é moda: agora se fala menos em TDAH e mais em TEA (Transtorno do Espectro Autista). Mas poucos percebem que estão apenas descrevendo manifestações psicóticas, da cisão entre indivíduo e ambiente. No mundo da saúde psíquica, diagnósticos são muito perigosos porque podem virar rótulos, estigmas que a pessoa pode incorporar como identidade, em vez de lutar para se livrar deles. Por isso, os bons profissionais não compartilham diagnósticos com leigos, porque eles são apenas uma base para suas estratégias de atuação. E, nesse mundo de abundância de informações on-line, muita gente acaba se autorrotulando através de conhecimentos parciais obtidos por aí. Antigamente chamávamos isso de autoconhecimento através de testes da Revista Capricho. Este artigo foi escrito não para você se achar um expert que sacou tudo, mas apenas para vislumbrar mecanismos que podem estar presentes em você ou em pessoas próximas — e talvez fazer surgir uma vontade de dar um encaminhamento, para tentar viver melhor.
Uma psicose é um quadro de dor intensa, que precisa ser acolhido e tratado por profissionais experientes nesses cenários, visando refazer a vinculação saudável com o mundo, tentando contornar os núcleos de desamparo e abandono que a geraram. Borderline é apenas mais um nome para descrever a psicose — em alguns momentos ativa em crises, em outros momentos encapsulada. Não existe fórmula mágica: medicações e suporte terapêutico obviamente ajudam, mas o fundamental é a auto-observação, a reflexão sobre seus mecanismos e reações, e o auto comprometimento de se reconectar com a vida de maneira diferente. Nesse sentido, o caminho deve passar por uma busca de vínculos saudáveis (tanto humanos quanto ambientais), bem como por uma reflexão para uma vida mais relaxada, com direito a mais estados contemplativos. Sei muito bem que esta última frase parece uma completa impossibilidade, fora da realidade. Mas, se a pessoa não conseguir isso, deveria buscar apoio para tentar — porque qualquer outra alternativa, com o tempo, revela-se mero paliativo, não eliminando a angústia desse quadro, que mais cedo ou mais tarde acaba sendo somatizado através de novas doenças ou problemas práticos. Além disso, provoca um envelhecimento precoce, um desinteresse pelas coisas e o viver contínuo dentro de uma situação tão desgastante. E o mais triste é como esse quadro está cada vez mais comum na nossa sociedade. Esse “novo normal” patológico tem um nome: endemia — quando se torna norma socialmente aceita viver em uma condição desviante.
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