
Ações Antrópicas, Perigos Ecológicos.
Prof. Marcus Eduardo de Oliveira.
28 de mai. de 2025
O povo da mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta.
(Davi Kopenawa, cacique ianomami)
Nessa Era Moderna do Mundo, marcada por acelerações e excessos, de uma verdade não podemos escapar: nossos abusos antropocêntricos (humanos versus natureza, para ser direto) já foram longe demais. Agora, no momento mais grave da crise socioambiental que afeta a qualidade do sistema vida porque ecossistemas inteiros são radicalmente modificados, estamos desafiando os limites seguros dos sistemas naturais. Daí a situação crítica da manutenção do equilíbrio ambiental da Terra. A tal propósito, é incontestável que estamos diante de alterações que desregulam a temperatura terrestre, destroem biomas, devastam nossa biosfera e, claro, afetam diferentes seres vivos, humanos ou não humanos.
Igualmente preocupante, no interior disso tudo, a política de crescimento das principais economias – síntese da modernidade – ainda continua sendo a mesma de sempre: está baseada no consumo destrutivo que, todos sabem, já saiu de controle.
No plano geral, problemas como desmatamento, perda de habitat e de biodiversidade, e mesmo todas as consequências do aquecimento global e da degradação sistemática de florestas, principalmente tropicais, podem ser classificados, sem hesitar, como os mais significativos sinais da carga pesada que, nós, os modernos, impomos ao planeta, desorganizando, portanto, os sistemas ecológicos globais e transformando a capacidade de suporte do planeta.
Longe de um significativo compromisso com a conversão ecológica, é possível dizer que nós, os sapiens, vejam só, criamos com certa facilidade um ciclo vicioso de severa destruição do meio ambiente, espaço do qual dependemos para sobreviver.
Na verdade, estupidez (a nossa!) à parte, manipulamos violentamente a natureza para atender interesses do mundo econômico. Sem ineditismo, são interesses que mantém o status quo.
De novo: interesses que alimentam a sanha do capitalismo devorador de recursos naturais. Ainda que não seja consensual, resta claro que a dinâmica do modo de produção capitalista - em sua íntima relação com a economia - centrada, pois, numa visão egoísta e antropocêntrica, na qual o homem (como já percebemos) pode tudo, inclusive sobrepujar as leis da natureza, produziu, sem surpresa alguma, um tipo próprio de crescimento econômico dilapidador dos sistemas ecológicos da Terra e da biodiversidade.
Quer dizer: esse homem moderno, colocado no centro dos acontecimentos, dentro da civilização do carbono, conseguiu produzir a mais nefasta série de agressões aos principais serviços ecossistêmicos (água limpa, ar puro, regulação do clima, polinização das flores, semeação do solo, fotossíntese etc).
Com base nesse pressuposto, agora se sabe que o sintoma mais claro da crise atual, que também pode ser chamada de crise de civilização, resulta, então, desse processo crescente de degradação entrópica da natureza (de matéria e energia) gerada pelo processo de produção industrial (leia-se capitalismo globalizado).
Num tempo que parece estar se esgotando, assusta saber que a capacidade das florestas tropicais de remover carbono da atmosfera, por exemplo, está diminuindo. E também assusta perceber que os oceanos estão cada vez mais acidificados; que a temperatura da Terra está fora de controle; que a biodiversidade (com seus 3,5 bilhões de anos de existência) vem sendo erodida numa velocidade que deixa traumas.
Vendo a questão assim, os especialistas não cansam de nos avisar: a Terra está rapidamente se aproximando de um ponto crítico.
Na verdade, isso quer dizer rispidamente que os impactos humanos (nosso antropocentrismo dominador) estão causando níveis alarmantes de danos ao nosso planeta, ao único Lar Planetário de todos.
A ciência comprova: As mudanças climáticas estão causando perigosas e generalizadas rupturas na natureza, afetando as vidas de bilhões de pessoas ao redor do mundo...Ao menos é exatamente isso o que foi registrado em relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC, elaborado e assinado por mais de três mil cientistas, em 2023.
Fato concreto, passamos a conhecer o mais severo desastre ambiental desses tempos recentes.
Pesa reconhecer que, pelos desvios do antropocentrismo, agora temos um planeta doente, uma Terra cansada, uma economia socialmente desequilibrada, um meio ambiente esgotado que desafia a sobrevivência de plantas, animais e vegetais.
Em relação a isso, os números não mentem: no reino da vida selvagem, uma espécie desaparece por dia. Do lado da questão social, a pobreza e a fome crônicas acometem quase 1 bilhão de estômagos vazios - essas bocas esfaimadas representam, pasmem, 14% da população mundial (mais de um 1 bilhão de pessoas).
A desertificação e o desflorestamento, como se supõe, também já saíram de controle – o mundo moderno/economia globalizada conseguiu destruir mais de 40% das florestas tropicais.
Narrativa influente, se da Terra tiramos nosso sustento, à Terra devolvemos dejetos do processo produtivo (resíduo, poluição, matéria dissipada). E note-se que é assim que o sistema econômico age. Usa e explora os limitados recursos naturais (input) e devolve lixo (output) à natureza.
A natureza, nessa direção imposta por um dominante sistema que diz que ser é ter, é tratada pela economia de produção (racionalidade econômica) como fonte e fossa. Não há um mínimo cuidado ecológico.
“Experenciando a febre do planeta”
A conta não deixa de ser simples de entender: quanto mais crescimento (econômico), maior é a agressão (ecológica) existente. Haveremos de perceber com suficiente clareza que há aí um considerável aumento da tensão entre essas correntes. Algo tão agressivo, vale dizer, que, de acordo com estudos recentes, 60% dos serviços ecossistêmicos já estão degradados.
Assim sendo, impossível de esconder, o ato (econômico) de crescer se tornou sinônimo de poluir (e degradar) os meios.
Falando de outra forma: nosso estilo de produção e consumo, nesta perspectiva de intenso perigo ecológico que ajudamos a gestar, coloca em situação crítica a diversidade da vida.
Enquanto estamos experenciando a febre do planeta (palavras de Ailton Krenak), assistimos o atual modelo de desenvolvimento (agricultura industrial, extrativismo, mercantilização da natureza, enfim...) produzir aquilo que o ambientalismo crítico vem lutando com afinco para evitar: o desmoronamento ecológico total que leva à destruição dos meios de subsistência que temos.
Eliminando dúvidas mais consistentes, hoje sabemos por meio do conhecimento científico que, nessa era dos combustíveis fósseis, enquanto o mundo ultrapassa os pontos de inflexão (Floresta Amazônica, Florestas boreais, Gelo marinho do Ártico, Corais de água quente e assim por diante) é consensual que nunca a capacidade e as funções dos ecossistemas foram tão abaladas como estão sendo nesse momento.
Tal e qual, frente à pilhagem de recursos naturais para ampliar a escala de produção global e alcançar evolução progressiva, nada menos que 75% dos ecossistemas terrestres e 60% dos marinhos já sofreram consideráveis alterações. Indubitavelmente, pelo modo de produção capitalista predatório, o mundo já perdeu, num curto espaço de tempo, 30% das florestas e a metade das áreas alagadas. E sequer havíamos presenciado – outra estupidez nossa, admitamos – tão elevado nível de acidificação dos oceanos e tão abusivo acúmulo de plásticos – são 8 milhões de toneladas todos os anos que ceifam 100 mil vidas marinhas.
Sendo rigoroso, jamais estivemos num tempo de mudanças climáticas acentuadas. Jamais havíamos colocado nosso planeta no forno.
No bojo da modernidade, isto é, naquilo que as elites de poder, dominantes e influentes, entendem por modernidade/progresso (à base do crescimento material), enquanto temos dificuldade de conjugar num mesmo plano os limites econômicos com os limites ecológicos, a destruição das coisas naturais, como se supõe, segue avançada.
Balanço feito, 30% dos ecossistemas naturais de água doce, desde 1970, desapareceram de vez. Por conta direta das mudanças climáticas, 23% das espécies de aves conhecidas estão ameaçadas e quinze mil espécies de plantas medicinais estão em risco de extinção.
Na cultura do capital, especificamente na conta desse atual modelo de projeto civilizatório incapaz de respeitar os limites da capacidade de sustentação da Terra, não cessamos de alterar o funcionamento geológico e biológico do planeta. Aliás, da pior maneira possível - e precisamos deixar isso bem claro -, seguimos usando inadequadamente água, terra, biomas, fluxos de energia e matérias-primas.
Na conta particular do estresse térmico, a Organização das Nações Unidas, ONU, estima que, entre 2030 e 2050, o mundo conhecerá 250 mil mortes humanas anuais.
Triste sina! Pesarosa constatação! Tempos extremos e sombrios.
(*) Economista e ativista ambiental. Autor de A civilização em risco (ed. Jaguatirica, 2024).
prof.marcuseduardo@bol.com.br