
Economia de Acumulação,
Excesso Antropocêntrico e Mundo Insustentável.
Prof. Marcus Eduardo de Oliveira e Paulo Betti.
10 de jun. de 2025
“A economia é como um organismo faminto em fase de crescimento. Ela consome recursos naturais como árvores, peixes e carvão. Deles, produz energia e bens úteis e cospe resíduos como dióxido de carbono, lixo e água suja. A maioria dos economistas se preocupa com o sistema circulatório do organismo e em como a energia e os recursos podem ser eficientemente alocados. E tende a ignorar seu sistema digestivo: os recursos que o organismo consome e o lixo que produz. Os economistas pressupõem que ambos sejam infinitos.”
(Revista Época, abril de 2009)
Olhar atento aos desdobramentos da epígrafe aqui mencionada, não resta mais dúvida: pelo paradigma civilizacional, “o modo de funcionamento da humanidade”, como, aliás, sustenta com elevada razão Aílton Krenak, “entrou em crise”. Pela força dos acontecimentos, agora vivemos tempos [anormais] de crise ecológica, crise socioambiental, e crise de civilização propriamente dita, enfim, gravíssimas crises gestadas sobretudo pelo modo de produzir da modernidade. E isso, é claro, deixa a natureza devastada, os ambientes fragmentados, o Planeta adoecido.
Vale dizer sem cerimônias: em toda a nossa história de vida, jamais havíamos interferido radicalmente na saúde planetária, no corpo dos ecossistemas. A esta altura, insistindo com a crítica, agora se sabe que pelo processo produtivo de subtrair recursos naturais (claramente ignorando os limites do planeta), tanto mais profunda a transformação da dinâmica ecológica daí decorrente. Para piorar, tudo se complica ainda mais por um motivo simples de entender: “nosso tempo”, como identifica a filósofa espanhola Marina Garcés, “já não é o da pós-modernidade, mas o da insustentabilidade”.1
Insustentabilidade, cabe rápido comentário, é a condição de tudo aquilo que não se pode sustentar (manter). E é esse, reiteradamente, o caso da insustentabilidade ambiental de agora, agravada, como se supõe, pela impossibilidade de comportar economias modernas cada vez mais viciadas em crescimento ininterrupto - paradigma da racionalidade econômica, tecnocientífica, influente e dominante. O edifício estrutural da civilização contemporânea, digamos assim, levantado pelas elites de poder, tão interessadas em manter o status quo.
Ponto importante: em nosso sentir, dentro dessa concepção, quando o crescimento das modernas economias globais vem com mais força, vem junto a degradação ecológica, multiplicando adversidades ambientais (erosão ecológica, com efeito, talvez seja o termo mais apropriado).
E seja como for, diante de nós, nesse vasto mundo de abundâncias que a cultura ocidental aprendeu a admirar, o veneno daí extraído atende pelo nome de emergência planetária.
Ou, exatamente aquilo que os negacionistas (ferrenhos adversários da ciência) insistem em negar. Contudo, para o caso de reforçar assertivas, imaginamos assim que isso tudo tem a ver, em grau maior ou grau menor, com o tipo de desenvolvimento que a tribo humana resolveu adotar e que, decerto, está nos levando ao desastre.
Logo, bastante significativo, a questão principal está na mesa: diante da pegada mortal do carbono, nos tornamos um perigo para nós mesmos.
Á luz do antropocentrismo moderno, já se diz abertamente que nos especializamos em afrontar a biosfera (o conjunto de todos os ecossistemas da Terra). Portanto, na mesma extensão, parece que é lícito concluir assim: com nosso estilo (consumista) de vida - com nosso jeito de viver e conviver em sociedade - não cessamos de produzir perturbações nos processos da natureza.
A bem da verdade, afetamos a biodiversidade e, que fique muito claro, com a economia moderna que nos guia e que determina os destinos mundanos, ajudamos a promover a devastação ambiental. Não por acaso, já colocamos em situação de risco de extinção mais de 1 milhão de espécies vegetais e animais. E continuamos a mudar o curso de rios e a transformar florestas inteiras em cinzas.
Pelos declarados interesses por trás da pata do boi e da soja, por exemplo, ajudamos a derrubar a vegetação natural. Sim, isso também faz parte de nosso antropocentrismo, alheio à preocupação ambiental.
Da mesma forma, se diz que contaminamos o solo que nos dá o alimento. Destruímos as colheitas. Devastamos biomas inteiros.
Agora mesmo, nada menos que 47% das bacias hidrográficas do mundo apresentam sinais de esgotamento.
O que isso mais quer dizer?
Ora, nesses tempos de temperaturas “extremamente” perigosas, não cessamos de dar provas de que fomos, em grau maior ou grau menor, doutrinados a enxergar a natureza (eixo de tudo, matriz da vida) como um imenso e inesgotável baú; por isso, pesa reconhecer, os 25% que habitam o Norte global, acostumados à facilidade do mundo material, sequer hesitam em consumir em excesso os recursos naturais, sem preocupação alguma com a eficiência de nossas economias, e sem que se respeite o tempo de regeneração do mundo natural.
Moral da história: na complexidade das sociedades modernas, esses, os que estão no topo, seduzidos pela ideia de que o crescimento econômico – sempre o crescimento, isto é, o fazer mais para o must have, “você tem que ter” - dará a todos mais prosperidade, mais sucesso e mais conquistas sociais, tendem, pois, a valorizar ainda mais a ideologia das quantidades (vale insistir, a essência própria do crescimento) do que qualquer sinal de qualidade.
Nessa direção, pode parecer estranho, mas a massa construída (estradas, prédios, máquinas, instalações etc) pela inteligência humana já supera o peso de todos os seres vivos do planeta.
De todo modo, queremos ainda enfatizar algo mais: na história do mundo moderno, é a primeira vez que nós, os sapiens, atingimos tal estágio.
Desnecessário dizer que daí emergem consequências. É claro, distribuídas de maneira desigual. Pesam muito mais para os vulneráveis!
Assim sendo, o pano de fundo é conhecido: pelo avanço desse capitalismo ocidental e masculino, os eventos climáticos extremos continuam nos mostrando, de um jeito ou de outro, até onde a crise climática chegou e até onde o aquecimento (anormal) da atmosfera se torna catastrófico.
Seja dito: pelo conhecimento científico, somos devidamente informados que as ondas de calor extremas podem dobrar até 2050 e que cada uma das últimas quatro décadas, quando analisados documentos oficiais do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850.
De resto, pelos fatos divulgados, é dado saber que:
a temperatura da superfície da Terra foi 1,09 graus mais alta entre 2011-2020 do que entre 1850-1900;
as concentrações atmosféricas de CO2 foram maiores, nesse período, do que em qualquer momento em pelo menos dois milhões de anos e,
as concentrações de metano e óxido nitroso foram as maiores dos últimos 800 mil anos.2
Particularizando a questão, agora mesmo ciência alerta: i) setenta e sete por cento da terra e 87% do oceano foram alterados pelo antropocentrismo arrogante e alheio à causa ecológica e; ii) setenta por cento dos sinais vitais da Terra estão em estado crítico.
Portanto, não desviando o olhar dessas gritantes anomalias, é tempo de admitir que o estado ambiental do mundo já atingiu um grau jamais alcançado. Simplesmente, depois de dez mil anos de estabilidade do clima, conseguimos – juntamente com nossa economia linear, vamos insistir - reverter a causa básica do clima.
Tal e qual, entre a desordem e o caos da realidade biodiversa desse momento, também pesa constatar que comprometemos o destino ecológico de todos.
Fato consumado, não há como esconder: desde que “a economia se tornou uma religião”, repetindo o usual comentário de Jean-Claude Guillebaud, ensaísta francês, tanto o equilíbrio ecológico do planeta quanto às condições ecológicas conhecidas, seguem radicalmente abaladas.
E nesse caso, não custa lembrar: vinte por centro da biodiversidade original já foi perdida; 30% dos ecossistemas naturais de água doce desapareceram desde 1970; 60% dos principais serviços ecossistêmicos e processos biológicos de nosso planeta vivo estão seriamente deteriorados.
Em outras palavras: pelo capitalismo consumista de natureza, o nível de superexploração de capital natural, como se supõe, saiu de controle.
Fechando o raciocínio, em tempos atuais de excessos antropocêntricos e de economia destrutiva, pensada tão somente para o curto prazo e para o lucro imediato, convém voltar à narrativa forte, como de costume, de Aílton Krenak, nosso Imortal:
“(...) entramos, na verdade, em um período distópico em que as florestas, os rios, os oceanos, tudo o que é manancial de vida, está sendo disputado como se estivéssemos, de verdade, num fim de mundo”.
Posto isso, nesse hipotético “fim de mundo”, para tocar de vez o dedo na ferida, coube ao naturalista francês Theodore Monod (1902-2000) registar, em seu tempo, que, sim:
“somos capazes de comportamentos insensatos e dementes; a partir de agora, se pode temer tudo, inclusive a aniquilação da espécie humana; esse seria o preço justo por nossas loucuras e crueldades”.
Da mesma forma, e com o mesmo viés, o poeta Paul Valéry (1871-1945) assim escreveu em 1932:
“jamais a humanidade reuniu tanto poder a tanta desordem, a tantas preocupações e a tantas manipulações, a tantos conhecimentos e a tantas incertezas. A inquietude e a futilidade se justapõem em nossos dias.
Na base de tudo, convenhamos: diante do que já sabemos e sentimos, é relativamente fácil concordar com cada um deles.
(*) Paulo Betti é ator, autor e diretor. Já atuou em mais de 40 peças de teatro, doze das quais sob sua direção. Interpretou vários personagens marcantes no cinema e na TV, com destaque especial para “Lamarca” e o “Visconde de Mauá”. Escreveu a peça “Autobiografia Autorizada”, entre outros.
(**) Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018) e A Civilização em risco (Jaguatirica, 2024), entre outros.
Notas:
1 GARCÉS, Marina. Novo Esclarecimento Radical. Âyné, Rio de Janeiro:2020.
2 Consultar IPCC, Mudança do Clima 2021, A Base Científica. Disponível em: < https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/IPCC_mudanca2.pdf>