
O Advaita da Guerra.
José Antonio Pinotti é Psicólogo, Homeopata e Engenheiro de Computadores.
3 de jul. de 2025
Advaita significa não dualidade. É uma das linhas filosóficas dentro do hinduísmo. Primeiramente o hinduísmo nunca existiu. É apenas um nome inventado pelos ingleses coloniais para caracterizar todo o diverso conjunto de filosofias e crenças da Índia. O nome mais apropriado seria Sanatana Dharma, ou Dharma eterno, onde Dharma poder ser mais ou menos entendido como Leis Universais ou Caminho para Consciência. Dentro do Sanatana Dharma o Advaita é uma das linhas, codificado por Shankara no século VIII dC, através de conhecimentos mais ancestrais do Shivaísmo da Cachemira. Naquela época a Índia que era completamente budista, desde o século II dC, converteu-se novamente para o hinduísmo. Estes 600 anos de budismo são fáceis de entender, primeiramente porque o budismo foi uma simplificação mais prática do Shivaísmo da Cachemira, segundo porque virou uma plataforma religiosa para unificação do país através do imperador Ashoka em II dC. Mas tudo isto é apenas contextualização histórica.
O fato que o Advaita, ou Shivaísmo da Cachemira sempre foi algo completamente diferente de todas as outras religiões. Primeiro porque nem pode ser chamado de religião, por não ter hierarquias e dogmas doutrinários, sendo mais um caminho para expansão da consciência. Segundo porque sua base nem é teísta, não necessitando nem de uma crença nem adoração de deuses, sendo mais uma prática para atingir um estado da não-mente, o êxtase da meditação profunda. O Advaita reconhece que uma característica do mundo material é a dualidade, a separação das coisas em calor e frio, dia e noite, prazer e dor, bom e mau, espírito e matéria. Mas como o Advaita não nega nada, considera a matéria como uma forma de trazer experiências para o espírito, entendendo o propósito da trajetória material como um meio para o resgate da consciência espiritual. Não existe divisão entre Criador e criatura, entre sagrado e profano. E muito menos o conceito de evolução, porque ninguém saiu de sua natureza divina, mas apenas precisa relembrar-se deste fato. E o tempo é ilimitado para este processo, porque em algum momento todos retornam à origem.
Claro que ao longo das experiências surgem percalços e os serem acabam acorrentados às leis da Ação e Reação, atraindo vivências didáticas que compensem os atos de desequilíbrio que eles mesmos geraram. Não existem os conceitos de pecado, culpas, méritos ou punições. Apenas de Dharma e aDharma, estar no caminho da consciência ou desviar-se dele, com suas consequências. Desta forma, tudo que existe pode ser considerado Lilla, ou passatempos, que são experiências para cada ser relembrar sua real essência. E claro que tudo é sagrado, não existem falhas e tudo é como deveria ser. Claro que existem experiências mais densas que provocam sofrimentos. Mas como disse o renovador Siddhartha Gautama, o Buddha, o sofrimento vem da ignorância. Basta abraçá-lo e entendê-lo como uma oportunidade para um salto de percepção. Dentro do Advaita existem grupos de ascetas e aGhoris (não aversão) que praticam a quebra da dualidade através do despojamento do movimento mais comum do reino animal, a busca pelo prazer e a esquiva da dor. Quando deixa-se de dar importância para estes polos e desarma-se seus movimentos reativos, surge a oportunidade para um real salto de consciência.
Uma vez um sábio disse: “As pessoas acham demais. Eu não preciso achar coisa nenhuma, porque não perdi nada.”. É interessante como no mundo de hoje todos precisam emitir opniões para tentar fugir da sua insignificância. Como se a adesão a uma massa de ressonância reforçasse sua frágil identidade. Com sua pretensão infantil que sua voz possa mudar o mundo. O que também é reforçado pelos mercadores de vozes, que ganham em cima de cada grito de quem cultiva a fantasia egóica que vai fazer diferença. Como é palatável a fantasia do “eu estou sabendo, portanto estou no controle”. E para quem importa a sua verdade parcial, que foi construída em cima dos seus históricos de condicionamentos ? A maioria das pessoas buscam tomar partido, sendo a favor ou contra os fatos que a vida oferece, rotulando-os como corretos ou equivocados, justos ou arbitrários. Não podemos nem dizer que a verdade só a história saberá, porque a história também é escrita pelo lado vencedor de cada situação. Em um evento de confronto, todos querem ter razão. E cada um tem sua razão, dentro do seu ponto de vista. O que não significa que a razão do outro seja mais ou menos válida do que a sua. Acredito que tudo o que acontece é porque precisa acontecer. Não existem equívocos no universo. Claro que existem choques em situações com divergências de interesses. E isto só vira um conflito explícito se cada uma das partes acreditar que possa sobrepujar a outra. Ou outras vezes porque talvez não tenha nada a perder, porque o risco (ou fantasia) da sua aniquilação tornou-se muito alto. Todos que se acham sem opções justificam suas ações mais radicais. Talvez seja isto, o imediatismo, que sobrepuje qualquer avaliação de desdobramentos futuros.
O fato é que guerreiros são os profissionais do conflito e lixeiros das sociedades. E como seus colegas literais, acabam descobrindo que o lixo nunca acaba, pois a cada novo dia sempre é produzido mais. Para quem entra neste mercado de logística de resíduos existe a justificativa de ser necessário e de que haja uma compensação material que garanta a continuidade do seu estilo de vida. O que muitas vezes pode não ocorrer. Para que entrar nesta energia, tornando-se uma versão tosca destes guerreiros, sem as vantagens, um voyeur de conflitos ? Para que tomar partido de um dos lados ? Ou de um terceiro lado, que pede a paz por omissão, sem perceber que o bolo da crise pode crescer pelo fermento do tempo. Não importa quem está certo, porque a parte que se sentir lesada vai sempre retaliar, em proporção incalculável. Até o ponto que as mágoas tornam-se mais fortes que os fatos que originaram o conflito, dando origem ao movimento infinito das vinganças e reatividades. Certamente é mais fácil, ao invés de pensar em tudo isto, simplesmente levantar uma bandeira e gritar “morte ao inimigo”. E temperada com uma fantasia que danos colaterais são necessários para um bem maior e a dor acabará em breve. Quem toma partido torna-se cúmplice de uma das alas, compartilhando as cicatrizes que virão. Coisa muito esperta, ainda mais por ser baseada em informações parciais, que são tudo que a sua ignorância trouxe para você, ou que lhe foi vendido pelos grupos de influência que sabem que você engoliria estas balelas, como reações aos seus medos pessoais. Ao invés de achar tantas coisas, apenas cale-se e observe. A realidade, se é que ela existe, é muito maior que suas crenças limitantes. E apegar-se a modelos que tentam explicá-la não vai conduzi-lo a mais perto de nada. A paixão ou aversão a crenças e sentimentos só irá afundá-lo mais no mundo das ilusões. Para que que perder tempo sendo um militante polarizado de qualquer caminho, um alienado doutrinado, combatendo todos que pensam diferente de você ?
José Antonio Pinotti é Psicólogo, Homeopata e Engenheiro de Computadores.
Atua como conselheiro de empresas e reestruturador de corporações.
Xamã e peregrino, viveu entre comunidades nativas ao redor do mundo.