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A Defesa:

E o Espelho Distorcido do Caso Dreyfus.

A Defesa:
Foto: Rosinei Coutinho/STFF

No segundo dia de julgamento no STF, a defesa de Jair Bolsonaro recorreu a uma comparação simbólica poderosa — e, para quem desconhece o contexto histórico, persuasiva: citar o Caso Dreyfus. O advogado Paulo Cunha Bueno concluiu sua sustentação com as seguintes palavras:

“Não permitamos, em hipótese alguma, criarmos neste processo uma versão brasileira e atualizada do emblemático caso Dreyfus. Curiosamente, também capitão de artilharia, curiosamente acusado de crime contra a pátria, curiosamente condenado com base num rascunho de documento apócrifo, curiosamente teve seu exercício de defesa constrangido em determinada altura e, inegavelmente, um dos casos que representa uma cicatriz na história jurídica do Ocidente. Senhoras e senhores ministros, a absolvição do presidente Bolsonaro é imperiosa para que não tenhamos a nossa versão do caso Dreyfus.”

A analogia é carregada de simbolismo: Dreyfus foi vítima de um processo injusto, baseado em forjação de provas e motivado por antissemitismo. Já Bolsonaro está diante de um julgamento sustentado por minutas apreendidas, delações premiadas, discursos públicos e evidências documentais, que formam o núcleo da acusação da PGR.

Essa comparação funciona como sustento para três estratégias retóricas da defesa:
1. Negação das provas — inverter a narrativa, mesmo diante de documentos e depoimentos.
2. Vitimização — posicionar o ex-presidente como alguém injustiçado, e não protagonista da trama.
3. Diluição de responsabilidade — dissociar Bolsonaro dos atos articulados por militares e ex-ministros.

Negar, vitimizar, pulverizar: uma retórica cuidadosamente construída para confundir. Porém, ao contrário do caso Dreyfus, que revelou falhas históricas em um Judiciário frágil, hoje a democracia brasileira busca responsabilizar — com base em provas — quem tentou abalar sua estrutura institucional.



Boletim Diário do STF – 3 de setembro de 2025

O que aconteceu no dia
• Participaram das sustentações orais os advogados Celso Sanchez Vilardi e Paulo Cunha Bueno, representando Bolsonaro, além das defesas dos ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Todos argumentaram pela absolvição.
• A sessão foi encerrada e será retomada na próxima terça-feira, 9 de setembro, com início dos votos dos ministros.

Principais argumentos da acusação e da defesa
• Defesa de Bolsonaro (Vilardi): afirmou que não há “uma só prova” que o conecte ao plano “Punhal Verde e Amarelo”, à “Operação Luneta” ou aos atos de 8 de janeiro. Questionou a confiabilidade da delação de Mauro Cid e lamentou a falta de condições para análise das provas (70 TB).
• Defesa de Bolsonaro (Cunha Bueno): advertiu contra uma “versão brasileira do caso Dreyfus” e afirmou que a absolvição é “imperiosa” para preservar a credibilidade do processo. Também criticou a aplicação de uma “legislação soviética” que pune atos preparatórios como crime consumado.
• Defesas de generais e ex-ministros: embora menos detalhadas na imprensa, seguiram a lógica da defesa de Bolsonaro — negar provas, questionar a delação de Cid e promover a visão de que atos preparatórios não configuram golpe.

O placar e próximos passos
• Sem votos hoje. O julgamento está suspenso até 9 de setembro, quando os ministros começarão a votar.

Repercussão no Brasil e no exterior
• Nacional: A comparação com Dreyfus repercute como tentativa de vitimização política. Também há críticas sobre o curto tempo para análise das provas pelos advogados.
• Internacional: A cobertura destaca a importância histórica do julgamento como teste da democracia brasileira.



Daily Bulletin — English Version

Headline: The Defense’s Dreyfus Mirror and the Hearing Today

Opening Analysis:
Today’s second day at the STF saw Bolsonaro’s defense reach for the potent — yet misleading — symbolism of Captain Alfred Dreyfus. Attorney Paulo Cunha Bueno concluded:

“Let us not, under any circumstances, create in this process a Brazilian and updated version of the emblematic Dreyfus case. Coincidentally, also an artillery captain… convicted based on a draft of an apocryphal document… constrained in his defense at some point… undoubtedly a case that represents a scar in the legal history of the West. Ministers, the acquittal of President Bolsonaro is imperative so that we do not have our version of the Dreyfus case.”

In Dreyfus’s case, a victim was condemned by falsified evidence amid deep-seated antisemitism. Here, evidence includes seized documents, plea bargains, public speeches — all supporting the PGR’s accusation. The rhetoric frames a three-pronged strategy: deny, victimize, and diffuse accountability.

Highlights of the Day:
• Defense teams of Vilardi and Cunha Bueno (Bolsonaro), as well as Braga Netto, Augusto Heleno, and Paulo Sérgio Nogueira, presented arguments for acquittal.
• Vilardi argued there’s “not a single piece of proof” linking Bolsonaro to wrongdoing, attacked Cid’s credibility, and lamented the limited time to examine 70 TB of evidence.
• Cunha Bueno warned against a “Brazilian Dreyfus” scenario, calling acquittal “imperative” and criticizing what he said resembled “Soviet legislation.”
• Other defenses echoed skepticism of the accusation’s foundation — emphasizing the preparatory nature of alleged acts.

Next Steps:
• No votes today. The trial is now suspended until September 9, when the judges begin voting.

Reception:
• National media note the Dreyfus comparison as a strategic pivot to reposition Bolsonaro as victim.
• International outlets frame the trial as a significant moment for Brazil’s democratic resilience.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

04/09/25
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