top of page

A guerra que ganhou aplauso: o que o apoio às operações no Rio revela sobre o Brasil.

Mesmo entre moradores das favelas, a operação policial mais letal da história do Rio recebeu apoio maciço. O que esse dado revela sobre medo, poder e abandono?

A guerra que ganhou aplauso: o que o apoio às operações no Rio revela sobre o Brasil.
RS/Fotos Públicas.

A cena é paradoxal. A operação policial mais letal da história do Rio deixou dezenas de mortos — e, ainda assim, foi recebida com aplauso.
Pesquisas recentes mostram que a maioria da população fluminense apoia as ações do governo estadual contra as facções criminosas. Mais surpreendente ainda: quase 90% dos moradores das favelas diretamente afetadas também aprovam o uso da força.

É um número que provoca desconforto e reflexão. O que explica esse apoio a uma operação marcada por sangue e contestada por entidades de direitos humanos?
E o que ele diz sobre o Brasil, um país que parece dividir-se entre o medo do crime e o cansaço do abandono?



O cansaço como gatilho

Há uma exaustão coletiva que atravessa o Rio. Décadas de domínio armado, milícias, extorsões e ausência estatal transformaram a violência em cotidiano.
Para muitos moradores, o Estado — mesmo quando chega com fuzis — representa um respiro. A operação é vista como oportunidade de retomar o território, ou ao menos, de mudar a rotina de medo.
O apoio maciço nas comunidades é, em parte, fruto desse esgotamento: quando a dor se torna crônica, o remédio pode ser amargo.

Mas há algo mais profundo: quando o Estado só se faz presente pela força, a força passa a ser confundida com presença. A guerra se torna o único idioma possível entre governo e povo.



A armadilha do consenso

O apoio popular fornece ao governo um escudo político. A vontade da maioria legitima ações cada vez mais duras, com menor espaço para críticas.
O perigo é o efeito anestésico do aplauso: ao normalizar a exceção, ele fragiliza a noção de limite.

O Estado precisa agir contra o crime, mas precisa também saber quando e como recuar. A eficácia não se mede apenas pelo número de mortos ou armas apreendidas — mas pela capacidade de reconstruir o que vem depois.
E o que vem depois raramente é lembrado.



O contexto da operação

Entre os dias 28 e 30 de outubro de 2025, o governo do Rio de Janeiro realizou a Operação Contenção, considerada a mais letal da história do estado, com pelo menos 45 mortos segundo balanços preliminares.
Mais de mil agentes das polícias civil e militar participaram da ofensiva contra o Comando Vermelho, acusado de ataques com drones e controle de rotas de armas e drogas.
Durante três dias, ônibus foram incendiados, vias bloqueadas e bairros sitiados.
Apesar das críticas de entidades de direitos humanos e de divergências entre o governo estadual e o federal, as pesquisas revelaram um consenso inédito: o apoio da maioria da população, inclusive dentro das próprias favelas onde a operação ocorreu.

A AtlasIntel registrou 87,6% de aprovação entre moradores das favelas cariocas e 89,5% consideraram adequado o nível de violência.
A Quaest e a Paraná Pesquisas encontraram índices entre 64% e 70% de apoio entre os fluminenses em geral.



O pós-choque: a ausência que retorna

Nas semanas seguintes à operação, o cenário nas comunidades voltou ao ponto anterior: escolas fechadas, comércio paralisado, moradores temendo retaliações.
O Estado, que chega com força, raramente permanece com estrutura.
É o chamado “efeito vácuo”: vence-se a batalha, perde-se o território.
Sem presença contínua — educação, emprego, saúde, urbanização — o ciclo da violência recomeça.

A aprovação popular é, nesse sentido, um pedido de permanência, não apenas de repressão. Aplauso hoje; cobrança amanhã.



O contrato invisível entre o povo e o poder

O apoio das favelas à operação é, paradoxalmente, um ato de confiança — talvez o último.
A sociedade entregou ao Estado o direito de agir com força. Agora, o Estado precisa provar que também sabe agir com justiça e humanidade.
Se a operação for apenas manchete, o pacto se quebra — e o aplauso vira silêncio amargo.
O dado mais incômodo é este: a aprovação não é sinônimo de vitória, mas de esperança exaurida.



Entre a humanidade e o controle

O desafio está em equilibrar combate e compaixão.
Não se trata de escolher entre direitos humanos e segurança pública, mas de entender que um sem o outro é vazio.
Sem segurança, não há direito; sem direitos, não há Estado.

Enquanto o país celebra a ofensiva, a pergunta essencial ecoa dos morros e vielas:
“Depois que o tiro parar, quem fica?”


Inglês:

The war that earned applause: what public support for Rio’s operations reveals about Brazil

It’s a paradox. The deadliest police operation in Rio’s history left dozens dead — and yet, it was met with applause.
Recent polls show that most Brazilians approve of the government’s crackdown on criminal factions. More surprisingly, nearly 90% of favela residents directly affected by the raids also support the use of force.

This raises unsettling questions. What does this approval mean in a country torn between fear and fatigue? What happens when despair turns into consent?



Exhaustion as catalyst

Years of armed control, militias, extortion, and State absence have turned violence into routine.
For many, the State — even armed — feels like a reprieve.
When all else fails, power becomes a form of protection.
But when the State appears only through rifles, violence becomes mistaken for governance.



The trap of consensus

Public support grants the government a political shield, legitimizing harsh measures and silencing dissent.
Applause becomes anesthesia; exceptional becomes acceptable.
True victory, however, depends not on the scale of firepower but on what the State builds once the smoke clears.



Operation Containment: background

Between October 28 and 30, 2025, Rio’s state government conducted Operation Containment, the deadliest police action in the state’s history, leaving at least 45 dead.
Over 1,000 police officers targeted the Comando Vermelho faction, accused of drone attacks and control over arms routes.
Despite national and international criticism, polls by AtlasIntel, Quaest, and Paraná Pesquisas showed broad support — including 87.6% approval within favelas and around 65–70% statewide.



After the smoke

Days later, schools were still closed, businesses paralyzed, and fear pervasive.
The State that arrives with force seldom remains with care.
Sociologists call it the “vacuum effect”: the State wins the battle but loses the ground.
Support, then, is not approval of death — it is a plea for continuity.



The invisible contract

Favela approval is an act of fragile faith.
The people handed the State a mandate for strength. The State must now respond with presence and humanity.
Otherwise, applause fades — and trust dies.



Between humanity and control

Brazil’s dilemma is not between rights and order; it’s about how to make them coexist.
Without rights, order becomes fear; without order, rights dissolve.

And as Brazil claps for the crackdown, the question that remains is quietly human:
“When the shooting stops, who will stay?”

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

04/11/25
Leia também
De quem é Nova York.
Entre despejos e arranha-céus, a eleição de Zohran Mamdani redefine a ideia de cidade — e desafia o capital global.
Um simples exame de sangue que pode detectar mais de 50 tipos de câncer.
Por Valéria Monteiro.
bottom of page