A operação da PF, a encenação da perseguição e o que está em jogo entre Brasil e EUA.
A operação como ponto de inflexão.
Foto: Gustavo Moreno STF.
A operação da Polícia Federal contra Jair Bolsonaro, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes e executada em 18 de julho, representa um novo patamar na crise institucional brasileira. Embora não pertença à ação penal sobre a tentativa de golpe de 2022 (AP 2.668), ela se conecta diretamente a ela. O foco está nas articulações do ex-presidente e de seu filho Eduardo junto ao governo dos Estados Unidos, em esforços para enfraquecer o Supremo Tribunal Federal e influenciar o sistema de Justiça por meio de pressões externas.
Na casa de Bolsonaro, foram apreendidos US$ 14 mil, R$ 8 mil em espécie, um celular funcional não declarado e um pen drive escondido no banheiro — este último, segundo ele, desconhecido. A PF aponta que os elementos reforçam suspeitas de ocultação de provas, possível destruição de dados sensíveis e preparo para evasão, mesmo com o passaporte retido.
Como resposta, Moraes impôs medidas cautelares: tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, proibição de uso de redes sociais e contato com Eduardo Bolsonaro, embaixadas e diplomatas. As medidas visam proteger o processo judicial de obstruções e interferências externas.
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O autoexílio como manobra
Eduardo Bolsonaro deixou o Brasil por vontade própria, antes de qualquer decisão judicial, e licenciou-se do mandato de deputado federal. A partir dos EUA, passou a operar politicamente como representante do bolsonarismo, articulando com aliados de Donald Trump e difundindo a ideia de que seu pai estaria sendo perseguido por um “regime de exceção”.
Essa narrativa, construída previamente à operação, serviu como escudo político e forma de mobilização de base — antecipando qualquer ação institucional como se fosse abuso de autoridade. É uma estratégia calculada para minar a confiança pública nas instituições e deslocar o centro do debate da legalidade para o emocional.
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O que diz a Constituição — e o que ela protege
A Constituição de 1988 é inequívoca:
– O artigo 4º, inciso I, estabelece a independência nacional como pilar das relações exteriores;
– O artigo 85 considera crime de responsabilidade atentar contra o livre exercício dos Poderes da República;
– A Lei nº 1.079/1950 tipifica como crime “manter entendimento com governo estrangeiro com o fim de provocar divisão ou perturbação no território nacional”;
– Os artigos 5º, incisos LIV e LV, garantem o devido processo legal e o direito à ampla defesa — ambos respeitados neste caso.
Acionar dispositivos como a Magnitsky Act para tentar sancionar autoridades brasileiras ou usar relações com governos estrangeiros como barganha judicial, como fez Bolsonaro ao condicionar à devolução do passaporte uma eventual negociação de tarifas com Trump, são atitudes que violam frontalmente esses princípios.
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A contradição entre a vitimização e o poder
Há uma contradição evidente no comportamento da família Bolsonaro: não é possível posar de vítima de um suposto autoritarismo e, simultaneamente, buscar influência junto à maior potência mundial para intervir nos assuntos internos do país.
A barganha feita por Jair Bolsonaro com relação às tarifas e as articulações de Eduardo nos EUA desmontam a narrativa de impotência. Não se trata de perseguidos, mas de atores políticos buscando reverter decisões judiciais por meio de canais paralelos e pressão internacional — o que compromete a soberania nacional.
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A retórica da exceção como instrumento
Eduardo Bolsonaro adota uma retórica ambígua para deslegitimar as instituições. Ao alegar perseguição política e “regime de exceção”, ele sugere, sem dizer claramente, que há um sistema autoritário em curso — ao mesmo tempo em que atua para minar a credibilidade das decisões judiciais com discursos inflamados e reações midiáticas.
Esse tipo de estratégia visa desacreditar o Estado democrático de direito, não por meio de provas, mas pela criação de versões emocionais que confundem e polarizam a sociedade.
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O impacto internacional: Trump, tarifas e tensão diplomática
O desdobramento internacional dessa disputa já está em curso. Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, declarando tratar-se de um gesto em defesa de Bolsonaro. Apesar da frágil fundamentação econômica, o ato tem peso simbólico e político — e sinaliza apoio ao ex-presidente, colocando pressão sobre o governo Lula.
Do outro lado, Eduardo busca acionar congressistas norte-americanos e sensibilizar a opinião pública internacional com denúncias de censura e perseguição. A tentativa de internacionalizar o conflito interno revela não apenas desespero estratégico, mas também desprezo pelas vias legítimas de defesa previstas na legislação brasileira.
Ainda que a Casa Branca e o Departamento de Estado mantenham cautela, esse tipo de movimentação pode abalar a confiança mútua e afetar as relações comerciais, diplomáticas e institucionais entre os países.
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Conclusão: o que há — e o que não há
A retórica de Eduardo Bolsonaro tenta inverter a lógica constitucional: apresenta instituições legais como autoritárias e atribui heroísmo à tentativa de subvertê-las. Enquanto isso, ele próprio atua para fragilizar as estruturas que sustentam a democracia.
Não há exílio — houve afastamento calculado.
Não há perseguição — há investigações amparadas por provas.
E não há exceção — há aplicação da lei, com base na Constituição.
O Brasil vive um teste à solidez de suas instituições. E sua democracia se consolida, justamente, quando os freios e contrapesos funcionam — mesmo diante daqueles que tentaram sabotá-los de dentro.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
18/07/25

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