Nova era para a internet no Brasil:
O STF redesenha o Marco Civil — e acende alertas.
Foto: Antonio Augusto/SCO/STF.
Na quinta-feira, 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal traçou novas fronteiras para o espaço digital brasileiro. Com 8 votos a 3, a Corte decidiu reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, abrindo caminho para a responsabilização direta de plataformas por conteúdos publicados por terceiros — mesmo sem ordem judicial prévia.
A decisão marca uma inflexão importante: a lógica da neutralidade passiva cede lugar a um modelo de responsabilidade ativa, onde o silêncio ou a omissão podem custar caro. O argumento central do STF: proteger a sociedade diante da escalada de discursos de ódio, desinformação e crimes contra a democracia que ganham velocidade viral nas redes.
Mas há ambivalência no ar — e é preciso nomeá-la.
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⚖️ O que muda, afinal?
A partir de agora, redes sociais e plataformas podem ser responsabilizadas quando:
• Impulsionam ou remuneram conteúdos ofensivos ou ilícitos;
• Permitem a circulação massiva de discursos ligados a terrorismo, incitação à violência, atos golpistas ou pornografia infantil;
• Mantêm online, mesmo após notificação, conteúdos já considerados ilegais judicialmente.
A exigência de ordem judicial permanece apenas para casos de crime contra a honra (como calúnia ou difamação). Para o restante, basta notificação.
Sites e blogs que hospedam espaços interativos — comentários, fóruns ou perfis agregados — também passam a estar sob esse novo radar. A responsabilidade civil não recairá apenas sobre os gigantes, mas sobre qualquer agente que se beneficie da circulação pública da informação sem moderá-la minimamente.
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🧱 Para quem cria conteúdo: novos deveres, velhos medos
Para produtores independentes, blogueiros e pequenos veículos, a decisão acende uma luz de alerta. Se, por um lado, ela fortalece o enfrentamento à desinformação e ao discurso criminoso, por outro, cria um ambiente de insegurança jurídica.
O que define um “conteúdo de circulação massiva”? O que distingue crítica contundente de incitação? As fronteiras ainda estão abertas ao campo da interpretação — e isso exige atenção.
Além disso, plataformas terão de estruturar sistemas eficazes de moderação, com canais claros para notificação, critérios transparentes de decisão e representação jurídica no Brasil. A burocracia digital, antes concentrada nos bastidores das big techs, pode começar a atingir também projetos menores, alternativos, e economicamente mais frágeis.
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🗣️ E a liberdade de expressão?
Aqui está o centro do debate. O STF reafirmou que a livre expressão continua protegida — especialmente aquela que não incorre em crime ou ilegalidade. A crítica política, o humor, o debate público e as opiniões divergentes não estão sob ameaça direta.
Mas há um risco indireto: na tentativa de se proteger de processos, plataformas podem passar a remover conteúdos de forma automática, criando um efeito de “censura preventiva” que silencie vozes legítimas. A linha entre responsabilidade e autocensura corporativa é tênue — e cada vez mais relevante.
O Google e a Meta já se pronunciaram contra a decisão, alertando para possíveis impactos negativos sobre a liberdade e a inovação digital. O STF, por sua vez, manteve a posição de que a omissão das plataformas, diante do volume e da gravidade de certos conteúdos, configura cumplicidade.
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🧩 O que esperar daqui pra frente?
A decisão tem efeito prospectivo, ou seja, só vale para publicações a partir de agora. Mas seu impacto é imediato no debate político e legislativo. O STF entregou ao Congresso uma sinalização clara: é hora de atualizar o Marco Civil da Internet, com uma legislação que ofereça segurança jurídica sem sacrificar liberdades fundamentais.
É o início de uma nova fase — e ela será escrita na tensão entre responsabilização e liberdade.
O Brasil escolheu, por via judicial, apertar o cerco às plataformas. Agora, resta ao campo democrático garantir que esse cerco não se feche também sobre o pensamento crítico, a divergência legítima e a palavra livre.
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🔗 Quer saber mais?
• A decisão do STF na íntegra está disponível no site oficial: stf.jus.br
• Comentários de especialistas e juristas no Migalhas e Poder360
📬 Se você tem um site ou cria conteúdo, é hora de rever seus termos de uso, sua política de moderação e, principalmente, o entendimento do que significa responsabilidade digital em tempos de infocalipse.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
27/06/25

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