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O jogo da mediocridade.

Por Valéria Monteiro.

O jogo da mediocridade.
Foto Gustavo Bezerra.

Às vezes me pergunto por que ainda tento acompanhar o debate político nacional. A cada nova crise, já sei como será o enredo, quem vai fingir surpresa, quem vai se calar, quem vai dizer “eu avisei”. É um cansaço que não vem só da indignação, mas da previsibilidade. Uma espécie de desalento sem novidade. O futuro parece sempre predestinado — e isso talvez seja o mais devastador: a perda da ideia de possibilidade. Quando tudo se repete, até a esperança cansa.

A política brasileira — e, em muitos aspectos, a política global — vive um momento de empobrecimento extremo. Não falo apenas da pobreza de propostas ou da ausência de visão estratégica. Falo da mediocridade como motor do sistema. Um ambiente onde o que se premia é o artifício, não a ideia. Onde a esperteza vale mais que a inteligência. Onde ninguém precisa ser bom — só precisa saber jogar.

Não há debate, há encenação.
Não há embate de ideias, mas cortejo de vaidades.

A dinâmica se repete em ciclos: um político dá uma cartada, o outro reage jogando a própria carta no lixo. Um ameaça sair do jogo, o outro bate na mesa, volta duas casas e espera a sorte dos dados — ou do algoritmo. Ninguém está discutindo os grandes temas, ninguém está elaborando um projeto de país. Estão apenas movimentando peças para permanecer no tabuleiro, como se a política fosse uma versão institucionalizada do jogo do tigrinho: colorida, ruidosa, viciante e completamente desconectada da realidade.

Jogos que não estimulam o cérebro tendem a atrofiá-lo. O mesmo vale para um sistema político que gira em torno de manobras vazias e disputas simbólicas sem substância. A repetição do nada vicia o organismo social, emburrece o debate e empobrece a democracia. Como aponta o neurocientista Gary Small, “o cérebro é como um músculo — se não for desafiado, começa a se deteriorar”. A política brasileira, reduzida a partidas previsíveis de vaidade e sobrevivência, parece repetir esse mesmo princípio: sem complexidade, sem ideias, sem futuro.

Enquanto se fabricam CPIs que não levam a lugar algum e se redigem PECs às pressas para atender interesses momentâneos, o país anda em círculos. E quem observa de fora, muitas vezes com cinismo, já nem se espanta. Porque a mediocridade, quando bem repetida, se naturaliza. Quando se torna o padrão, não causa mais incômodo. Apenas anestesia.

No fundo, ninguém está pensando o país: estão pensando na próxima eleição, na próxima postagem que viralize, na próxima pauta que mantenha seus nomes em circulação. A política virou uma prática de sobrevivência — e o pensamento, um risco a ser evitado.

Pior: o público começa a reproduzir esse mesmo vício. A política virou entretenimento, torcida, aposta. Se o “jogo do tigrinho” vicia pela ilusão de ganho fácil, a política atual vicia pela ilusão de controle. A cada escândalo, a cada quebra de decoro, a audiência sobe. Mas nada muda.

O Brasil precisa de reformas urgentes — não só estruturais, mas simbólicas. Reformas na forma de desejar o país. Reformas na forma de imaginar o futuro. Porque enquanto a mediocridade for regra, continuaremos girando em torno do nada, celebrando cada rodada como se fosse vitória.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

24/06/25
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