Plástico:
O impasse que ameaça virar concessão.
A última rodada de negociações da ONU sobre o tratado global para conter a poluição plástica, realizada em agosto de 2025, em Genebra, terminou como muitos temiam: com a ambição diminuída e o risco de um acordo que sirva mais como peça de marketing do que como instrumento real de mudança.
Três anos após a promessa de criar um pacto capaz de frear um dos maiores problemas ambientais do século, o que se vê é um texto provisório que evita enfrentar a questão central: a produção crescente de plástico virgem.
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Um texto que recua
O novo rascunho retirou os elementos mais duros: não há menção a limites de produção e o controle sobre químicos perigosos foi diluído. Restaram diretrizes para reciclagem e gestão de resíduos — importantes, mas insuficientes diante de um problema cuja origem está no volume fabricado.
Cerca de 100 países rejeitaram a proposta, argumentando que ela não reflete a urgência da crise.
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Quem trava e quem pressiona
Um núcleo de países produtores de petróleo e petroquímicos — Arábia Saudita, Irã, Kuwait e Rússia — trabalhou de forma articulada para barrar qualquer teto global de produção. Os Estados Unidos, alinhados a esse bloco, defenderam que o foco seja apenas em soluções de mercado, como a reciclagem.
Do outro lado, a High Ambition Coalition, liderada por Noruega e Ruanda e apoiada por União Europeia, Reino Unido, Quênia, Panamá, Colômbia, Chile e México, manteve a pressão por um acordo com metas obrigatórias de redução de produção e restrição de substâncias tóxicas.
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A pressão externa
Fora das salas de negociação, ONGs como Break Free From Plastic, Greenpeace e WWF denunciaram que um tratado sem cortes de produção não é, de fato, um tratado. A Business Coalition for a Global Plastics Treaty — que reúne mais de 300 empresas, entre elas Unilever e Walmart — também criticou a falta de clareza regulatória e pediu regras globais unificadas.
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O custo humano fora das estatísticas
O bloqueio político tem reflexos diretos:
• comunidades costeiras perdem pesca e renda;
• povos insulares recebem lixo antes de receber ajuda;
• catadores continuam expostos a resíduos e aditivos tóxicos;
• crianças já acumulam microplásticos no corpo.
Estudos estimam que os impactos econômicos e sociais da poluição plástica ultrapassem um trilhão de dólares anuais, custo que recai desproporcionalmente sobre populações vulneráveis.
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📌 BOX — Microplásticos: a ameaça invisível à saúde
• No cérebro: estudos recentes detectaram aumento de 50% na presença de microplásticos no tecido cerebral humano entre 2016 e 2024. Em pessoas com demência, as concentrações foram até 10 vezes maiores.
• No sistema cardiovascular: em pacientes com AVC, a quantidade de microplásticos nas artérias foi 51 vezes superior à encontrada em indivíduos saudáveis.
• Na expressão genética: pesquisas indicam que partículas microscópicas podem alterar a expressão de genes ligados à inflamação e ao funcionamento celular — um mecanismo associado a doenças crônicas e degenerativas.
• Na vida cotidiana: já foram encontrados microplásticos na água potável, no ar que respiramos, no leite materno e na placenta — evidência de que a contaminação começa antes mesmo do nascimento.
Reduzir a produção de plástico não é apenas proteger oceanos e fauna. É proteger o funcionamento do nosso próprio corpo.
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O risco do “melhor que nada”
Se a próxima etapa das negociações mantiver o texto enfraquecido, teremos um tratado incapaz de conter a poluição na origem. Reciclar e reaproveitar são ações essenciais, mas não acompanham uma produção que cresce em ritmo acelerado. Sem fechar a torneira, o barco continuará enchendo.
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Conclusão
A reunião de Genebra mostrou que a disputa não é apenas técnica, mas profundamente política. É a escolha entre proteger cadeias industriais lucrativas no curto prazo ou proteger a saúde do planeta — e, por consequência, a nossa.
Aceitar um acordo frágil pode ser mais confortável agora, mas terá um custo permanente. A questão é simples: queremos um tratado para constar ou para transformar?

