top of page

Anistia ampla:

O golpe pela via do Congresso.

Anistia ampla:

Foto: Gustavo Bezerra.

Apresentada como “humanitária”, a proposta de anistia ampla liderada por Tarcísio de Freitas — militar de formação e governador de São Paulo — é, na prática, a tentativa de transformar o fracasso do 8 de Janeiro em vitória tardia. O risco real não é pacificação, mas radicalização.



📌 O fio da ruptura: a retórica da guerra civil

A trajetória política de Jair Bolsonaro é marcada por ameaças que sempre flertaram com a ruptura institucional. Suas palavras, ainda que não tenham entrado nos autos do STF, mostram a lógica que mobilizou sua base.
• 1999, ainda deputado, em entrevista à TV Bandeirantes:
“O voto não vai mudar nada no Brasil. Só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com FHC.”
• 8 de agosto de 2022, em mensagem revelada pela Polícia Federal a empresários:
“O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil.”
• No mesmo período, em vídeo enviado a Meyer Nigri, dono da Tecnisa:
“TEREMOS SANGUE!!! GUERRA CIVIL.”

Essas declarações não estão no processo em julgamento, mas revelam uma constante: Bolsonaro sempre acenou com o caos, ora como ameaça, ora como promessa.



🔥 Quando o absurdo virou governo

Bolsonaro mostrou que muitas de suas promessas, consideradas absurdas, se tornaram realidade:
• Armas – prometeu liberar; liberou.
• Ataques à imprensa – prometeu enfrentar; transformou em rotina oficial.
• Ministros ideológicos – prometeu; entregou Ricardo Salles, Damares Alves e um governo militarizado.
• Fim da “indústria da multa” – prometeu; desmontou o Ibama e o ICMBio.
• Militares no poder – prometeu; colocou mais de 6 mil em cargos civis.
• Desafio à democracia – prometeu não aceitar derrotas; insuflou o 8 de Janeiro.

Se falou em guerra civil, não era retórica vazia. Era aviso.



🎭 O herdeiro fardado

Essa lógica hoje encontra tradução política em Tarcísio de Freitas. Militar de formação, governador de São Paulo e herdeiro natural do bolsonarismo, ele conduz a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita.
• Republicanos (seu partido), o PSD de Gilberto Kassab, o PL e o União Brasil já se alinharam.
• O projeto não diferencia manifestantes manipulados de autoridades que planejaram o golpe.
• Na prática, é um salvo-conduto para Bolsonaro e seus generais, uma tentativa de apagar legislativamente o 8 de Janeiro.

O que fracassou no quartel, Tarcísio tenta consumar no Congresso.



🐍 O pacto de conveniência

O interesse de Tarcísio em chegar à presidência é o fio que une aliados improváveis:
• Kassab e o PSD, pragmáticos, que orbitam o governo paulista.
• O PL bolsonarista, órfão de Bolsonaro inelegível.
• O saco de gatos do União Brasil, onde convivem ideólogos da extrema direita e oportunistas de ocasião.

Esse arranjo não nasce de um projeto para o país, mas do cálculo frio de que blindar o passado abre caminho para o futuro. É uma coreografia ensaiada para dar sobrevida ao bolsonarismo sem Bolsonaro.



⚖️ A bomba-relógio da inconstitucionalidade

A anistia ampla seria inconstitucional. E leis inconstitucionais não apenas falham: elas abrem crises.
• Choque de Poderes – o Congresso aprova, o STF derruba. Resultado: confronto aberto entre Legislativo e Judiciário.
• Esgarçamento da legitimidade – para uns, o STF vira “inimigo do povo”; para outros, o Congresso se torna cúmplice do golpismo.
• Precedente perigoso – se se pode anistiar crimes contra a democracia, pode-se normalizar o autoritarismo.
• Isolamento internacional – o Brasil passaria a imagem de país que legaliza golpes, corroendo sua credibilidade no mundo.

Esse choque não fortalece a democracia. Pelo contrário: aprofunda o desencanto dos eleitores e o descrédito da política, que já não parece movida por valores ou projetos de país, mas por conveniências imediatas.



✒️ Conclusão

O 8 de Janeiro foi um ataque frontal. A anistia ampla é o ataque sorrateiro.
Tarcísio, ao liderar essa proposta, não pacifica: institucionaliza o golpe.

A história já mostrou o que esperar. O que parecia absurdo nas falas de Bolsonaro — liberar armas, desmontar o Ibama, desafiar eleições — ele cumpriu. Se ontem a promessa era “guerra civil” e hoje o projeto é “anistia”, trata-se da mesma lógica: o caos como ferramenta de poder.

Mas a anistia não devolveria a Bolsonaro o direito de ser candidato. Sua inelegibilidade foi decretada em outro processo, pelo TSE. O que ela faz é abrir espaço para que Tarcísio avance sem a sombra e sem a obrigação moral de carregar o ex-presidente.

Mais uma vez, os pequenos interesses se sobrepõem aos grandes. Um pacto costurado por Kassab, pelo PL e pelo União Brasil pode até abrir caminho para Tarcísio em 2026 — mas à custa de aprofundar o desencanto dos eleitores e corroer, ainda mais, a confiança na democracia.

Veja mais em:
https://www.valeriamonteiro.com.br/post/bolsonaro-o-perfil-de-um-ditador

Inglês:
Broad Amnesty: A Coup Through Congress.

Presented as “humanitarian,” the proposal for broad amnesty led by Tarcísio de Freitas — a military officer by training and now governor of São Paulo — is, in practice, an attempt to turn the failure of January 8 into a belated victory. The real risk is not reconciliation, but radicalization.



📌 The Thread of Rupture: Civil War Rhetoric

Jair Bolsonaro’s political trajectory has been marked by threats that always flirted with institutional breakdown. His words, even if absent from the Supreme Court case, reveal the logic that mobilized his base.
• 1999, as a congressman, in an interview on TV Bandeirantes:
“The vote will change nothing in Brazil. Things will only change, unfortunately, when we start a civil war, doing the work the military regime did not do. Killing about 30,000, starting with FHC.”
• August 8, 2022, in a message revealed by federal investigators to businessmen:
“The Supreme Court will be responsible for a civil war in Brazil.”
• Around the same period, in a video sent to Meyer Nigri, CEO of Tecnisa:
“WE WILL HAVE BLOOD!!! CIVIL WAR.”

These declarations are not part of the current trial, but they reveal a constant: Bolsonaro always pointed to chaos, sometimes as threat, sometimes as promise.



🔥 When the Absurd Became Government

Bolsonaro showed that many of his promises, once dismissed as absurd, were later fulfilled in government:
• Guns – promised to ease access; he did.
• Attacks on the press – promised confrontation; made it daily policy.
• Ideological ministers – promised; delivered Ricardo Salles, Damares Alves, and a militarized cabinet.
• Ending the “fine industry” – promised; dismantled Ibama and ICMBio.
• Military in power – promised; placed more than 6,000 officers in civilian posts.
• Defying democracy – promised not to accept defeat; fueled January 8.

When he spoke of civil war, it was no empty metaphor. It was a warning.



🎭 The Uniformed Heir

That same logic now finds political expression in Tarcísio de Freitas. An Army-trained officer, governor of São Paulo, and Bolsonaro’s natural heir, he leads the push for broad, general, and unrestricted amnesty.
• Republicans (his party), Kassab’s PSD, the PL, and União Brasil are already aligned.
• The bill makes no distinction between manipulated protesters and authorities who orchestrated the coup attempt.
• In practice, it is a legislative erasure of January 8, a shield for Bolsonaro and his generals.

What failed in the barracks, Tarcísio now seeks to consummate in Congress.



🐍 A Pact of Convenience

Tarcísio’s presidential ambitions are the thread that ties together unlikely allies:
• Kassab and the PSD, pragmatists orbiting power in São Paulo.
• The Bolsonarist PL, orphaned with Bolsonaro’s ineligibility.
• The patchwork right of União Brasil, where far-right ideologues and opportunists coexist.

This is not reconciliation, but choreography. A staged unity built not on principles, but on the cold calculation that shielding the past opens the way to the future.

For society, however, the effect is corrosive: it deepens voter disenchantment and amplifies the sense that politics is nothing more than self-preservation by those in power. The result is discredit for institutions and erosion of faith in democracy.



⚖️ The Time Bomb of Unconstitutionality

Broad amnesty would be unconstitutional. And unconstitutional laws don’t just fail: they ignite crises.
• Clash of Powers – Congress passes it, the Supreme Court strikes it down. Result: open confrontation between Legislature and Judiciary.
• Eroded legitimacy – for some, the Court becomes “the enemy of the people”; for others, Congress becomes the coup’s accomplice.
• Dangerous precedent – if crimes against democracy can be pardoned, then anything is possible: weakening rights, silencing the press, normalizing authoritarianism.
• International isolation – Brazil would be seen as the country that legalizes coups, corroding its credibility worldwide.

This does not strengthen democracy. On the contrary, it deepens voter disenchantment and the discredit of politics itself.



✒️ Conclusion

January 8 was a frontal attack. Broad amnesty is the stealth attack.
By leading this proposal, Tarcísio does not pacify: he institutionalizes the coup.

History has already shown what to expect. What once seemed absurd in Bolsonaro’s words — arming civilians, dismantling Ibama, challenging elections — he carried out. If yesterday the promise was “civil war” and today the project is “amnesty,” it is the same logic: chaos as a tool of power.

But amnesty would not restore Bolsonaro’s political rights. His ineligibility was decreed in another case, by the Superior Electoral Court. What it does is open space for Tarcísio to move forward without Bolsonaro’s shadow and without the moral obligation of carrying him.

Once again, small interests prevail over the greater ones. A pact stitched together by Kassab, the PL, and União Brasil may clear the path for Tarcísio in 2026 — but at the cost of deepening voter disenchantment and corroding, even further, confidence in democracy.

See more at:
https://www.valeriamonteiro.com.br/post/bolsonaro-o-perfil-de-um-ditador

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

3 de set. de 2025

Leia Também

De quem é Nova York.

Entre despejos e arranha-céus, a eleição de Zohran Mamdani redefine a ideia de cidade — e desafia o capital global.

Um simples exame de sangue que pode detectar mais de 50 tipos de câncer.

Por Valéria Monteiro.

bottom of page