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O Clube dos Machos Explosivos.

Distopia real em desenvolvimento acelerado.

O Clube dos Machos Explosivos.

Foto: Joyce N. Boghosian

Imagine um mundo em que Trump governa Israel e Netanyahu comanda os Estados Unidos. Agora imagine que ninguém nota a troca. Porque, no fundo, são versões distintas do mesmo delírio: messiânicos, cercados por inimigos (reais, inventados ou fabricados), prometem ordem com punhos de ferro e vocabulário bíblico. Governam pelo medo, destroem pela salvação e se vendem como última trincheira contra o caos — o mesmo que eles mesmos espalham.

E não estão sozinhos. Esse teatro geopolítico tem um camarim de luxo: o Clube dos Machos Explosivos™. Um pacto informal, mas não improvável, entre líderes que veem o poder não como serviço, mas como espólio. Ali estão:
• Donald Trump, reempossado, governa como se nunca tivesse saído. Agora sem as amarras do primeiro mandato, move-se com a pressa dos que sabem que a história pode se repetir — ou ser enterrada viva;
• Benjamin Netanyahu, arquiteto de cercos físicos e morais, mestre em transformar ocupação em defesa;
• Mohammed bin Salman, o príncipe decapitador com contrato exclusivo para fornecer petróleo, silêncio e show pirotécnico de autoritarismo tecnológico;
• E, na cabeceira, Vladimir Putin, que não sorri — observa. Porque se está nesse clube, não é para jogar: é para vigiar, infiltrar e envenenar.

Putin é o sócio silencioso, o único que já leu Maquiavel de verdade. Frequenta o clube como quem já comprou o cemitério onde enterrará seus colegas. Brinda com vodka enquanto financia hackers, conversa com o Irã, acena para a China e abastece a Coreia do Norte. Seu clube, o paralelo, não precisa de carisma: basta que o Ocidente colapse sozinho.

Entre os brindes de Trump e os mísseis de Netanyahu, o Irã entra como catalisador. Um ataque aqui, uma retaliação ali, e tudo se reconfigura: Trump já voltou. E não quer mais sair. O palco agora é seu, e o script, o mesmo: caos controlado, inimigos por todos os lados e uma promessa messiânica de salvação. Desta vez, sem freios.

O Tratado não escrito entre eles chama-se Ordem e Potência™ — uma farsa travestida de estabilidade. Ordem para calar. Potência para oprimir. Embalado com selo dourado, vendido em lives, retransmitido por algoritmos. Um fascismo gourmetizado, com trilha sonora épica e merchandising militar.

Putin assiste. Netanyahu executa. MBS financia. Trump rege — como se fosse o protagonista de um Apocalipse bíblico patrocinado pela Fox News.

Mas o clube não é coeso. Ninguém ali confia em ninguém. É como toda aliança autoritária: forjada no medo, sustentada pelo oportunismo, traída assim que o poder exigir. O mundo, para eles, não precisa de paz — só precisa continuar girando ao redor de seus egos inflados e suas contas offshore.



O que vem antes de Gilead?

Distopias não começam com hinos. Começam com explosões.
Antes de a primeira mulher ser calada, antes de a primeira Constituição ser rasgada, antes de os muros se erguerem — há sempre um pretexto. Um colapso cuidadosamente nutrido. Um inimigo externo que justifique o autoritarismo interno.

No universo de The Handmaid’s Tale, Gilead não nasce do nada. Ele nasce do medo. E esse medo, em grande parte, é embalado pela guerra. Mais precisamente: uma guerra com o Irã.

É isso mesmo. Em Os Testamentos (The Testaments, de Margaret Atwood), e na série da Hulu, fica claro que os Estados Unidos passam por:
• Um ataque nuclear atribuído a grupos iranianos;
• A declaração de estado de emergência;
• A suspensão da Constituição americana;
• E logo depois, a tomada do poder por um grupo teocrático radical cristão.

A guerra com o Irã — real ou fabricada — serve como pavio para que uma nova ordem se imponha em nome da salvação nacional. A narrativa é simples: “Eles querem destruir nossa civilização. Nós vamos restaurá-la.”

Essa fórmula soa familiar?

Ela já foi testada. E hoje, com Trump empossado, Netanyahu agindo como se segurança significasse cerco, MBS bancando repressões com dinheiro silencioso e Putin rindo no canto enquanto sabota tudo por dentro — o terreno está arado para que Gilead volte, talvez com outro nome, mas com o mesmo cheiro de cruzada.

Quando Gilead finalmente se ergue, não é o Irã que venceu. Mas é como se sua sombra pairasse sobre o Ocidente.
O que era apenas um espantalho virou modelo. E, no fim, foi o Irã atacado que cobriu os Estados Unidos com um véu — não de tecido, mas de pânico. Um véu imposto de dentro, com o consentimento de multidões que gritavam por salvação.
O que antes se dizia combater, agora se encena.
As mulheres americanas não estão mais em perigo “lá fora”. Estão em risco dentro de casa — sob um regime que aprendeu com o inimigo imaginário a linguagem da repressão legítima.

O que vem antes de Gilead não é ficção.
É só uma sucessão de decisões equivocadas, medos bem manipulados, populismos disfarçados de patriotismo — e o silêncio coletivo diante do absurdo.

Se Gilead nos ensinou algo, é que não existe abismo sem aviso.
Ele vem assinado, selado e televisionado — com logotipo, slogan e trilha épica.
Só não vê quem está ocupado demais celebrando os muros sendo erguidos em nome da paz.



Se amanhã acordarmos com o planeta em chamas, não se espante se disserem que foi para protegê-lo.
Eles sempre dizem isso.
E a história, coitada, já cansou de avisar.

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https://www.valeriamonteiro.com.br/filmes-series/o-conto-da-aia-the-handmaids-tale

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

23 de jun. de 2025

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