top of page

María Corina Machado e o Nobel em tempos de poder duro:

Símbolo de paz ou peça em um tabuleiro maior?

María Corina Machado e o Nobel em tempos de poder duro:

A história da eugenia é um alerta permanente sobre o perigo de Estados que se arrogam o direito de definir quem merece pertencer ao futuro de uma nação. Embora o termo tenha sido moralmente banido após os horrores do século XX, as lógicas de exclusão que o sustentaram nunca desapareceram — apenas se transformaram. Hoje, ressurgem com nova linguagem e novas ferramentas, especialmente na política migratória.

(Scroll down for English)

1. O que foi a eugenia

Eugenia foi uma ideologia e um movimento que buscava “melhorar” a população humana por meio da seleção artificial de características consideradas desejáveis e da exclusão — ou eliminação — de indivíduos vistos como “indesejáveis”. No início do século XX, essa lógica influenciou amplamente políticas públicas nos Estados Unidos e na Europa, legitimando esterilizações forçadas, leis restritivas de casamento e medidas de controle social dirigidas a grupos pobres, racializados e pessoas com deficiência.



2. Nazismo: a eugenia como política de Estado

No regime nazista, a eugenia deixou de ser argumento científico para se tornar política oficial. A Lei para Prevenção de Descendência com Doenças Hereditárias, de 1933, instituiu esterilização compulsória para pessoas consideradas portadoras de condições hereditárias. Estima-se que mais de 400 mil esterilizações forçadas tenham ocorrido sob o Terceiro Reich.

O programa Aktion T4 foi ainda mais longe: institucionalizou o assassinato de pessoas com deficiência física e mental consideradas “incapazes de contribuir” para o Estado. Esses pilares eugênicos foram incorporados à ideologia racial nazista e culminaram no genocídio sistemático de judeus, ciganos, eslavos e outros grupos perseguidos.

O mundo jurou nunca mais permitir que o Estado selecionasse vidas de acordo com critérios de “utilidade”.


3. Depois da guerra — mas não depois da eugenia

Apesar da condenação moral do termo, práticas de inspiração eugênica persistiram. Nos Estados Unidos, programas de esterilização involuntária continuaram atuantes até os anos 1970, afetando desproporcionalmente mulheres negras, indígenas, latinas e pobres.

A eugenia não desapareceu; apenas deixou de se anunciar pelo nome.


4. A política migratória como novo laboratório

No século XXI, uma nova fronteira se abriu: a migração. Em vez de decidir quem pode se reproduzir, governos passaram a decidir quem pode entrar, permanecer, produzir e prosperar dentro de um país — critérios que moldam diretamente o futuro de uma sociedade.

Nesse contexto, medidas como os programas de imigração baseados em grande capacidade financeira, como o recente Trump Gold Card anunciado nos Estados Unidos, levantam questionamentos profundos. O programa cria um atalho migratório para indivíduos que podem investir US$ 1 milhão após triagem de segurança, além de uma taxa inicial de US$ 15 mil, enquanto empresas podem patrocinar trabalhadores estrangeiros por US$ 2 milhões cada. É uma política apresentada como pragmática e benéfica à economia — mas que, na prática, segmenta seres humanos pela capacidade de pagar.

Críticos apontam que esse modelo, ao mesmo tempo em que restringe ou endurece vias tradicionais de imigração, produz uma seleção socioeconômica que reforça desigualdades globais e favorece países mais ricos e predominantemente brancos.


5. As continuidades ideológicas: por que isso importa

A eugenia clássica pretendia filtrar quem era “adequado” para compor a sociedade. A Eugenia 2.0 não fala em hereditariedade, raça ou biologia — fala em capital, desempenho econômico, “contribuição” e segurança nacional. Mas a lógica subjacente é a mesma:

Selecionar quem merece pertencer.

Quando o Estado formula políticas que classificam vidas não pela sua humanidade, mas pelo preço de entrada, ele resgata — sob nova gramática — hierarquias de valor humano que se acreditava superadas.

E, como nos ensina a história, as piores exclusões não começam com violência explícita: começam com critérios, taxas, formulários, filtros e justificativas tecnocráticas.


Conclusão

Eugenia não é um capítulo encerrado da história. É uma ameaça mutante.
Hoje, manifesta-se não em laboratórios, mas em fronteiras. Não em exames biológicos, mas em critérios econômicos. Não em leis raciais explícitas, mas em sistemas de seleção que determinam quem pode ou não fazer parte do futuro de uma sociedade.

Reconhecer essas continuidades não é alarmismo. É memória histórica.
E a memória é, ainda, a nossa maior ferramenta contra a repetição.





Inglês:
EUGENICS 2.0

Exclusionary policy changes language, not purpose.



The history of eugenics is a permanent warning about the danger of states claiming the authority to determine who deserves to belong to a nation’s future. Although the term was morally condemned after the atrocities of the 20th century, the exclusionary logic behind it never disappeared — it merely changed form. Today, it resurfaces with new language and new tools, particularly in migration policy.


1. What eugenics was

Eugenics was an ideology and a political movement aimed at “improving” the human population by artificially selecting desirable traits and eliminating or excluding individuals labeled as undesirable. In the early 20th century, its logic heavily shaped public policy in the United States and Europe, legitimizing forced sterilization, restrictive marriage laws and state-directed social control aimed at poor, racialized and disabled communities.


2. Nazism: eugenics as state doctrine

Under the Nazi regime, eugenics became an official state project. The 1933 Law for the Prevention of Hereditarily Diseased Offspring mandated compulsory sterilization of people deemed to have hereditary conditions. More than 400,000 forced sterilizations were carried out under the Third Reich.

The Aktion T4 program went further, institutionalizing the killing of disabled people considered “unfit” to contribute to the state. These eugenic pillars were incorporated into Nazi racial ideology and culminated in the systematic genocide of Jews, Roma, Slavs and other persecuted groups.

The world vowed never again to let the state decide which lives matter more.


3. After the war — but not after eugenics

Despite public rejection of the term, policies inspired by eugenics persisted. In the United States, involuntary sterilization programs continued into the 1970s, disproportionately affecting Black, Indigenous, Latina and poor women.

Eugenics did not end; it simply stopped announcing itself.


4. Migration policy as the new testing ground

In the 21st century, a new arena has emerged: migration. Instead of deciding who may reproduce, governments now decide who may enter, remain, produce and prosper — decisions that directly shape a nation’s future.

In this context, immigration pathways based on extraordinary financial capacity — such as the recently announced U.S. Trump Gold Card — raise profound ethical questions. The program creates a fast-track route for individuals able to invest US$ 1 million after vetting, plus a US$ 15,000 initial fee, while companies may sponsor workers at US$ 2 million each.

It is marketed as pragmatic and economically beneficial, but it effectively sorts people by ability to pay.

Critics note that, as traditional pathways are tightened or delayed, such a model reinforces global inequities and favors wealthier, predominantly white countries.


5. Why the ideological continuity matters

Classical eugenics sought to define who was “fit” to be part of society. Eugenics 2.0 does not speak in terms of heredity, race or biology — it speaks in capital, economic output, “contribution” and national security. Yet the underlying logic is the same:

To select who deserves to belong.

When the state classifies lives not by their humanity but by their entry price, it resurrects — in new vocabulary — hierarchies of human worth that were believed to be buried.

History teaches that the most dangerous exclusions rarely begin with overt violence. They begin with criteria, fees, paperwork, filters and technocratic justifications.


Conclusion

Eugenics is not a closed chapter. It is a mutating threat.
Today, it manifests not in laboratories but at borders. Not in biological tests but in economic thresholds. Not in explicit racial laws but in selection systems that determine who may — or may not — be part of a society’s future.

Recognizing these continuities is not alarmist. It is historical memory.
And memory remains our strongest defense against repetition.

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

12 de dez. de 2025

Leia também

Quando os indícios deixam de ser sinais e passam a ser estratégia, risco e narrativa.

Por Valéria Monteiro.

Inovação e bioeconomia:

A nova fronteira da Amazônia na COP 30.

bottom of page