Entre frustração e encanto:
Lições de diplomacia para o Brasil.
Créditos: RS/Fotos Públicas.
A cena em Windsor, com Donald Trump recebido sob a pompa da monarquia britânica, revelou mais do que tradição aristocrática. Mostrou como o protocolo, quando bem manejado, pode sustentar a diplomacia. O Reino Unido separou divergências políticas do tratamento de Estado e reafirmou o princípio de que respeito institucional é parte do jogo internacional. Trump, envolto em controvérsias internas e externas, não foi honrado por sua biografia, mas pelo cargo que ocupa e pela influência que exerce como presidente do país mais poderoso do mundo.
No mesmo período, em outro cenário, Lula falava à BBC. Em vez de capitalizar a oportunidade para projetar assertividade estratégica, deixou transparecer frustração. Disse que “eles [governo Trump] não querem conversar”, que “a relação dele (Trump) é com o Bolsonaro, não com o Brasil”, e lembrou ter enviado carta sem resposta em maio. Acrescentou ainda que “o que não tem negociação é a questão da soberania nacional”. As falas delimitam fronteiras importantes, mas a forma escolhida — uma cobrança pública — pode ser interpretada de maneiras distintas: como sinal de firmeza, ou como predisposição a um confronto aberto que nem sempre favorece o país.
Perguntas incômodas e contradições internas.
A entrevista expôs Lula também a questionamentos sensíveis: sua relação com governos de perfil autoritário e as concessões ambientais feitas no Brasil em contraste com seu discurso progressista. O resultado foi previsível: um momento de tensão. Mais do que um embate com a imprensa, a situação refletiu as dificuldades de conciliar a imagem de liderança global com os limites impostos pela política doméstica. Contradições sempre se convertem em custo de credibilidade.
Trump, Bolsonaro e um espaço aberto.
Trump, por sua vez, responde melhor a deferência pessoal, elogios e relações transacionais. Chefes de Estado que aprenderam essa lógica conseguiram preservar acesso e reduzir retaliações; os que confrontaram em público acabaram enfrentando tarifas ou isolamento.
Nesse contexto, Bolsonaro, que não poupa bajulações ao presidente Trump consolidou-se como interlocutor preferencial. Lula poderia ter neutralizado essa exclusividade explorando, com habilidade, a semelhança narrativa de também ter sido alvo de acusações que considera injustas — o que, no vocabulário trumpiano, seria comparável a uma “witch hunt”. Reconhecer esse paralelo, mesmo de modo calculado, teria reduzido o espaço político que Bolsonaro ocupa. Mas Lula preferiu destacar a ausência de diálogo, deixando a aproximação com Trump ainda mais atrelada ao adversário.
Firmeza não basta.
É legítimo dizer que Lula buscou demonstrar firmeza ao reafirmar a soberania brasileira. Mas firmeza, sozinha, não garante eficácia diplomática. A China é exemplo disso: mantém posições inegociáveis em temas sensíveis, mas raramente recorre ao bate-boca público mediado pela mídia internacional. O peso econômico, militar e geopolítico chinês permite sustentar esse estilo de comunicação. O Brasil, porém, não dispõe do mesmo lastro. Para Brasília, o desafio é calibrar: defender princípios sem perder a forma, lembrando que, com Trump, muitas vezes o tom importa tanto quanto o conteúdo.
Além disso, é ilusório esperar que a Casa Branca de Trump reaja a discursos ambientais ou compromissos multilaterais que ele próprio despreza. Sua lógica é pragmática e transacional: tarifas, ganhos imediatos, proximidade pessoal. Se o Brasil quer proteger seus interesses, precisa identificar pontos de convergência que possam ser percebidos em Washington como benefícios concretos.
O charme brasileiro como ativo diplomático.
O Brasil não possui coroas, carruagens ou castelos. Mas tem algo igualmente poderoso: o charme de uma sociedade vibrante, criativa e diversa. Esse é o nosso soft power — um recurso intangível que inspira simpatia, desperta confiança e abre portas em arenas onde a política dura não alcança.
O mundo já nos associa à alegria, à cultura e à capacidade de dialogar em diferentes contextos. O que falta é transformar essa imagem em estratégia: usar o encanto não apenas como cartão de visita, mas como alicerce para políticas externas consistentes, sustentáveis e inovadoras.
Conclusão.
De Windsor à BBC, duas cenas mostraram contrastes de estilo: o protocolo britânico reforçando influência e uma entrevista brasileira que expôs fragilidades. Para o Brasil, a lição é clara: diplomacia não deve ser confundida com desabafo nem sustentada apenas na firmeza retórica.
Se quisermos ocupar mais espaço no tabuleiro global, precisamos combinar princípios inegociáveis com pragmatismo e sofisticação. Não temos coroas nem castelos, mas temos algo ainda tambem valioso: a capacidade de encantar. Transformar essa riqueza simbólica em estratégia concreta é o verdadeiro caminho para o Brasil exercer poder real.
Inglês:
Between Frustration and Charm: Lessons in Diplomacy for Brazil
The scene in Windsor, with Donald Trump received under the pomp of the British monarchy, revealed more than aristocratic tradition. It showed how protocol, when well handled, can sustain diplomacy. The United Kingdom separated political disagreements from matters of state and reaffirmed the principle that institutional respect is part of the international game. Trump, surrounded by domestic and global controversies, was not honored for his personal biography but for the office he holds and the influence he wields as president of the most powerful country in the world.
At the same time, in a different setting, Lula spoke to the BBC. Instead of capitalizing on the opportunity to project strategic assertiveness, he allowed frustration to surface. He said “they [Trump’s administration] don’t want to talk,” that “his relationship is with Bolsonaro, not with Brazil,” and recalled having sent a letter in May that went unanswered. He added that “what is non-negotiable is the issue of national sovereignty.” These remarks drew important boundaries, but the chosen form — a public charge — can be interpreted in different ways: as a sign of firmness, or as a predisposition to open confrontation that does not always favor the country.
⸻
Uncomfortable Questions and Domestic Contradictions.
The interview also exposed Lula to sensitive questions: his relations with authoritarian-leaning governments and the environmental concessions made in Brazil in contrast with his progressive discourse. The outcome was predictable: a tense moment. More than a clash with the press, the situation reflected the difficulty of reconciling the image of global leadership with the limits imposed by domestic politics. Contradictions always translate into costs for credibility.
⸻
Trump, Bolsonaro, and an Open Space.
Trump, for his part, responds more favorably to personal deference, praise, and transactional relations. Heads of state who understood this logic managed to preserve access and reduce retaliation; those who confronted him publicly often faced tariffs or isolation.
In this context, Bolsonaro — who never spared flattery toward President Trump — consolidated himself as the preferred interlocutor. Lula could have neutralized this exclusivity by skillfully exploring the narrative similarity of also having been the target of accusations he considers unjust — which, in Trump’s vocabulary, would be comparable to a “witch hunt.” A calculated acknowledgment of that parallel might have reduced the political space Bolsonaro occupies. But Lula chose instead to highlight the lack of dialogue, leaving Trump’s closeness even more closely associated with his rival.
⸻
Firmness Is Not Enough.
It is fair to say that Lula sought to demonstrate firmness by reaffirming Brazilian sovereignty. But firmness alone does not guarantee diplomatic effectiveness. China is an example: it maintains non-negotiable positions on sensitive issues but rarely engages in public sparring mediated by the international media. China’s economic, military, and geopolitical weight allows it to sustain that communication style. Brazil, however, does not have the same leverage. For Brasília, the challenge is calibration: defending principles without losing form, bearing in mind that with Trump, tone often matters as much as content.
Moreover, it is unrealistic to expect Trump’s White House to react favorably to environmental speeches or multilateral commitments he himself dismisses. His logic is pragmatic and transactional: tariffs, immediate gains, personal proximity. If Brazil wants to safeguard its interests, it must identify points of convergence that Washington perceives as tangible benefits.
⸻
Brazilian Charm as a Diplomatic Asset.
Brazil has no crowns, carriages, or castles. But it has something equally powerful: the charm of a vibrant, creative, and diverse society. This is Brazil’s soft power — an intangible resource that inspires sympathy, builds trust, and opens doors in arenas where hard politics cannot.
The world already associates Brazil with joy, culture, and the ability to engage in multiple contexts. What is missing is to turn this image into strategy: using charm not just as a calling card, but as the foundation for consistent, sustainable, and innovative foreign policy.
⸻
Conclusion.
From Windsor to the BBC, two scenes revealed contrasting styles: British protocol reinforcing influence and a Brazilian interview exposing fragilities. For Brazil, the lesson is clear: diplomacy should not be mistaken for venting, nor rest solely on rhetorical firmness.
If Brazil wants to occupy more space on the global board, it must combine non-negotiable principles with pragmatism and sophistication. We may lack crowns and castles, but we hold something equally valuable: the ability to enchant. Turning that symbolic wealth into concrete strategy is the true path for Brazil to exercise real power.
Veja também:
https://www.valeriamonteiro.com.br/politica-internacional/pompa-e-circunstancias-para-negocios-bilionarios-visita-de-trump-a-windsor-inglaterra

Valéria Monteiro.
Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br
e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.
18/09/25

Leia também
De quem é Nova York.
Entre despejos e arranha-céus, a eleição de Zohran Mamdani redefine a ideia de cidade — e desafia o capital global.

