Ver o Peso:
Observando o equilíbrio entre progresso e preservação.
Foto: Pedro Guerreiro / Agência Pará
Às vésperas da COP 30, Belém do Pará revela o desafio entre conservar o que é sagrado e construir o que é necessário.
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Há cidades que parecem guardar em seu ar um segredo antigo, uma cadência ancestral que sopra de dentro das árvores, das águas e das vozes de seu povo. Belém do Pará é uma dessas cidades — um Brasil profundo, amazônico e cheio de cheiros, cores e ritmos que o tempo não conseguiu apagar.
Estive em Belém pela última vez em 2018, durante a Caravana da Coragem, minha pré-campanha presidencial. E foi ali, entre o calor úmido e o murmúrio das marés, que vivi alguns dos momentos mais intensos de reconhecimento do que somos como nação. Caminhei pelo Ver o Peso, esse coração pulsante da cidade, onde as vozes se misturam aos aromas de frutas, peixes e ervas que parecem contar, em cada barraca, a história viva do Norte do Brasil.
Subi ao Forte do Presépio, de onde se avista a Baía do Guajará, e vi nas muralhas de pedra o eco do tempo em que o país ainda se desenhava. No Mangal das Garças, cercada por borboletas e garças, tive vontade de ficar — tamanha a paz e a beleza daquele parque onde a natureza se encontra com o urbanismo em harmonia rara. Caminhei pela Estação das Docas, aquele antigo porto que se transformou em um dos lugares mais encantadores da cidade. E assisti, no Theatro da Paz, à imponência do ciclo da borracha refletida em colunas, lustres e veludos que merecem o mesmo cuidado que damos à memória viva do Brasil.
Na época, pensei que Belém merecia mais atenção ao seu patrimônio arquitetônico, que pedia restauração e afeto. Hoje, às vésperas da COP 30, que começa no dia 11, quero crer que a cidade esteja renovada — não apenas em suas fachadas, mas em sua alma urbana.
A preparação para a conferência chamou atenção do mundo com obras de infraestrutura, como a nova rodovia que liga o centro à Ilha do Combu. Um avanço em mobilidade, mas também um alerta: não se pode falar em sustentabilidade apenas asfaltando caminhos na floresta. Belém simboliza bem essa dicotomia entre conservar e crescer, entre o dever de proteger a Amazônia — com seu patrimônio natural e humano — e a necessidade de infraestrutura que garanta qualidade de vida e inclusão.
Observar o equilíbrio entre progresso e preservação é reconhecer que não há avanço verdadeiro sem consciência. Cada estrada aberta precisa ser acompanhada de uma estrada interior — aquela que leva ao entendimento de que desenvolvimento sem harmonia é apenas aparência de futuro.
Que a COP 30 deixe para Belém não apenas pontes e vias, mas pontes de entendimento. E que o legado da conferência seja o despertar de um novo modo de ver — e de viver — o Brasil.
Talvez, entre o som dos pássaros do Mangal e o burburinho do Ver o Peso, o planeta redescubra — em Belém — o verdadeiro sentido da palavra sustentabilidade: viver em paz com o que nos sustenta.
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🇬🇧 English version — Ver-o-Peso: Seeing the Weight of Progress and Preservation
Some cities seem to breathe ancient secrets — rhythms that echo through trees, rivers, and the voices of their people. Belém do Pará is one of them: a living portrait of Brazil’s Amazonian soul, rich in colors and stories that time has not erased.
I last visited Belém in 2018, during my “Caravana da Coragem” presidential pre-campaign. Between the tropical humidity and the sound of the tides, I felt an intimate connection with our national roots. I wandered through the Ver-o-Peso Market, stood at the Presépio Fort, and found serenity among butterflies and herons at the Mangal das Garças — a place so peaceful I didn’t want to leave.
I walked along the Estação das Docas, once a port and now a cultural haven, and later sat inside the Theatro da Paz, where the grandeur of Brazil’s rubber-boom past still lingers. Back then, I thought Belém deserved more care for its architectural heritage.
Now, as the city prepares to host COP 30, starting November 11, Belém once again draws the world’s gaze — not only for its beauty, but for its contradictions. The new road to Combu Island and other projects highlight a tension between development and preservation. We cannot claim sustainability by paving over the forest.
To see the weight of progress and preservation is to realize that progress without balance is illusion. Every road must be matched by an inner one — toward awareness. May COP 30 leave not just infrastructure, but insight.
Perhaps, among the birds of Mangal and the hum of Ver-o-Peso, the world will rediscover — in Belém — the true meaning of sustainability: living in peace with what sustains us.

