top of page

Lesa‑pátria em marcha lenta: o golpe está on.

▍Prisões não encerram histórias — elas as escancaram


Na noite de 4 de agosto, o Brasil assistiu a um novo capítulo de sua crise institucional: o ministro

determinou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, após o ex-presidente descumprir, mais uma vez, medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal.


A decisão se deu após uma série de condutas que contrariaram restrições anteriores, como o uso indireto das redes sociais, envolvimento em articulações públicas via aliados e tentativas de pressionar instituições com apoio estrangeiro. Foi o limite de uma longa corda jurídica.


▍A reação e a retórica da perseguição


A resposta de aliados foi imediata: acusações de abuso de autoridade, perseguição política e censura. Para parte da opinião pública, a medida foi interpretada como desproporcional. É legítimo que haja debate — a democracia é construída sobre o dissenso.


Mas é preciso olhar com atenção: a prisão domiciliar não foi decretada por ideias ou discursos, mas por ações concretas que afrontam decisões judiciais já estabelecidas.


Diferenciar liberdade de expressão de tentativa de obstrução da Justiça é fundamental, sobretudo para quem valoriza a legalidade e a soberania do país.


▍O que está em jogo quando se fala em “lesa‑pátria”


A expressão “crime de lesa‑pátria” pode soar exagerada, mas está prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Refere-se a condutas que atentam contra a integridade nacional, o Estado democrático de direito ou os interesses fundamentais do país.


Nos últimos meses, surgiram indícios concretos de articulações que envolvem influência externa sobre decisões internas — como a carta pública do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, acusando o STF de “caça às bruxas”, repetindo o discurso de Jair e Eduardo Bolsonaro. Para muitos juristas, essa operação simbólica e política é grave o suficiente para ser enquadrada como um ato contra a pátria.

Ministro Alexandre de Moraes

Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE.


▍Um golpe por outros meios


A prisão de Bolsonaro em casa não encerra o problema — apenas muda seu cenário. O risco à democracia, hoje, não é o da ruptura clássica, com tanques nas ruas. É mais sutil: opera por meio da desinformação, da mobilização emocional e da narrativa de vitimização construída com apoio internacional.


A estratégia de desgaste do Judiciário e das instituições não parte de dentro do sistema legal — é propagada por fora dele, como parte de um teatro cuidadosamente construído para dividir a sociedade e deslegitimar os freios e contrapesos do Estado.


▍Dialogar é diferente de desestabilizar


É compreensível que existam críticas legítimas ao STF, ao sistema político e ao próprio processo eleitoral. Eu mesma já critiquei estruturas que considero distantes da população.


Mas há uma linha tênue entre a crítica e a sabotagem.


Buscar sanções econômicas contra o próprio país, desacreditar juízes brasileiros no exterior ou promover teorias conspiratórias sobre fraudes sem apresentar provas concretas não são atos de quem busca aprimorar a democracia — são tentativas de desestabilizá-la.


▍E se estivermos sendo usados?


Milhares de brasileiros confiaram que Bolsonaro faria diferente. Muitos acreditaram que ele representava uma ruptura honesta com os vícios da velha política. Entendo esse sentimento — porque já o compartilhei.


Mas também é necessário reconhecer quando a confiança está sendo instrumentalizada para proteger interesses particulares. O patriotismo de verdade não busca apoio estrangeiro contra o próprio país. Não acusa de ditadura quem aplica a lei.


Questionar é sinal de maturidade democrática. Fingir que não há nada acontecendo — ou que tudo se trata de mera perseguição — é um risco que não podemos mais correr.


▍Conclusão: democracia não se desfaz de uma vez — ela se desmonta aos poucos


A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro é um alerta. Não se trata de revanche, mas de proteção institucional. Se aceitarmos que ex-presidentes possam violar regras, pressionar a Justiça e manipular a percepção internacional do país sem consequências, estaremos normalizando o que, em qualquer outro contexto, seria inaceitável.


O Brasil ainda pode preservar sua democracia. Mas para isso, precisamos distinguir crítica legítima de sabotagem, liberdade de expressão de impunidade e patriotismo de oportunismo.


▍Leia também:


👉 A Venezuela não é aqui em https://www.valeriamonteiro.com.br/politica


▍Inglês:

Treason in Slow Motion: The Coup Is Still On.


By Valéria Monteiro.


▍Arrests Don’t End Stories — They Expose Them


On the night of August 4, Brazil witnessed another chapter in its deepening institutional crisis:

Supreme Court Justice Alexandre de Moraes ordered former President Jair Bolsonaro to be placed under house arrest, after he repeatedly violated the precautionary measures imposed by the Court.


The ruling came after a series of actions that defied previous restrictions — such as indirect use of social media, political coordination through allies, and efforts to pressure institutions with the support of foreign figures.

It was the breaking point of a long legal rope.


▍The Reaction and the Persecution Narrative


Bolsonaro’s allies were quick to react: they cried abuse of power, political persecution, censorship.

To some in the public, the ruling seemed excessive. Debate is legitimate — democracies are built on dissent.


But let’s be clear: this wasn’t about speech or opinion. It was about actions that defied court orders — actions that would carry consequences in any democratic country.


There’s a crucial distinction between freedom of expression and attempts to obstruct justice — especially for those who claim to defend the rule of law and national sovereignty.


▍What’s Really at Stake: Crimes Against the Nation


The term lesa-pátria (a crime against the homeland) may sound dramatic, but it exists in Brazilian law.

It refers to acts that harm national integrity, democratic institutions, or the core interests of the Republic.


In recent months, clear signs have emerged of efforts to manipulate Brazil’s legal and political process with international help — most notably, a public letter from former U.S. President Donald Trump accusing Brazil’s Supreme Court of conducting a “witch hunt.”

His language mirrored that of Jair and Eduardo Bolsonaro.


For many legal experts, this isn’t just posturing. It’s a calculated attack on Brazil’s judicial sovereignty — and it may well constitute a form of treason.


▍A Coup by Other Means


Bolsonaro’s house arrest doesn’t resolve the crisis — it simply changes the stage.

Today, the threat to democracy isn’t coming from tanks in the streets. It’s more insidious: fueled by disinformation, emotional manipulation, and carefully crafted narratives of victimhood supported by foreign allies.


The campaign to erode Brazil’s justice system doesn’t originate within legal channels.

It’s a parallel performance — an effort to divide the country and undermine institutional checks and balances from the outside in.


▍Criticism Isn’t the Same as Destabilization


It’s fair to criticize the Supreme Court, the political system, or even the electoral process.

I’ve done it myself — publicly and constructively.


But there’s a line between constructive dissent and destructive sabotage.


Calling for international sanctions against your own country, discrediting judges abroad, or spreading conspiracy theories about electoral fraud without presenting evidence — those aren’t signs of democratic engagement.

They are symptoms of a deliberate campaign to destabilize.


▍What If We’re Being Used?


Millions of Brazilians believed Bolsonaro would do things differently.

They thought he represented a clean break from the corrupt old order.

I understand that feeling — I once shared it.


But now it’s time to ask hard questions: Is that trust being used to protect personal interests?


Real patriotism doesn’t involve seeking foreign intervention against your own courts.

It doesn’t label lawful accountability as dictatorship.

And it certainly doesn’t distort faith and fear to avoid justice.


▍Conclusion: Democracies Rarely Collapse Overnight — They’re Eroded from Within


Jair Bolsonaro’s house arrest is not an act of vengeance.

It’s a sign that the system is still trying to function — to protect itself.


If we allow former presidents to defy the law, intimidate the judiciary, and manipulate global perception without consequences, we’re normalizing what would be unacceptable in any constitutional democracy.


Brazil can still preserve its democracy.

But to do so, we must learn to tell the difference between:

• Criticism and sabotage

• Freedom and impunity

• Patriotism and opportunism


▍Also read:


👉 Brazil Is Not Venezuela


Por Valéria Monteiro.

Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.br

e ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page