O Palácio dos Espelhos – Vaidade como método de poder.
- Valéria Monteiro

- 11 de jul.
- 2 min de leitura
A carta de Trump ao Brasil não é apenas um gesto isolado de arrogância internacional. Ela revela um padrão de comportamento político que tem moldado o cenário global com efeitos profundos: a vaidade como motor da ação de governo.
são líderes que não apenas exercem o poder — o encenam. Criam personagens, fabricam realidades paralelas e operam a partir do culto à própria imagem. Quando a verdade ameaça esse teatro, tratam de desmontá-la — ou substituí-la por outra.
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Quando a política se torna performance
Na última semana, Trump recebeu Benjamin Netanyahu na Casa Branca. O primeiro-ministro israelense lhe entregou pessoalmente uma carta o indicando ao Prêmio Nobel da Paz. No dia seguinte, ao se reunir com líderes africanos para discutir comércio, Trump exibiu o documento em público e pediu a um dos presidentes que o apoiasse ali mesmo. Em seguida, comentou o “inglês perfeito” do presidente da Libéria — sem saber que o idioma é oficial no país desde o século XIX. O presidente liberiano apenas sorriu e acenou com a cabeça.
Esses episódios, encadeados cuidadosamente, mostram como Trump transforma eventos oficiais em cenas cuidadosamente construídas de autopromoção. A diplomacia é substituída pelo espetáculo. O poder vira performance.
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Foto: Amos Ben Gershom, Procurador-Geral
Putin e Netanyahu: manipulação como regra.
Putin cultiva sua imagem como líder inflexível em meio a uma guerra prolongada. Netanyahu, por sua vez, usa o conceito de genocídio como ferramenta política seletiva, validando ou negando sofrimentos conforme a conveniência do poder — exigindo o reconhecimento pleno do Holocausto, mas rejeitando que se use a mesma palavra para descrever os ataques contra os palestinos, mesmo quando questionado por organismos internacionais.
Não há elegância aí — há manipulação sistemática da linguagem, da moral e da memória. São líderes que não hesitam em distorcer os fatos, se isso mantiver suas narrativas vivas.
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Uma aliança de vaidades — e suas rachaduras
Apesar das convergências, as vaidades não se somam — colidem. Nesta semana, Trump sinalizou que poderá voltar a apoiar a Ucrânia, se a Rússia não recuar. Um gesto que quebra, ao menos simbolicamente, a aliança tácita entre Trump e Putin, construída à base de admiração pública e interesses comuns.
Esse episódio indica que a extrema-direita global, que subiu junto, pode também ruir junta, quando seus líderes deixam de se servir mutuamente. O conflito entre egos pode fazer o que a política institucional não conseguiu: desmantelar o teatro.
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A resposta precisa ser coletiva — e humanista
A resistência a esse modelo não pode ser individual. O enfrentamento à vaidade como método de poder exige coesão democrática, mobilização de valores éticos e clareza de projeto.
É preciso mais do que responder a cartas. É preciso escrever novas páginas — com coragem, sobriedade e visão de futuro.
O Brasil mostrou que não se curvará ao espelho. Agora, é hora de olhar para o mundo — e reconstruir alianças com base no que temos de melhor: nossa identidade, nossa memória, nossa vontade de ser mais do que reflexo.
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