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O Palácio dos Espelhos – Vaidade como método de poder.

A carta de Trump ao Brasil não é apenas um gesto isolado de arrogância internacional. Ela revela um padrão de comportamento político que tem moldado o cenário global com efeitos profundos: a vaidade como motor da ação de governo.



são líderes que não apenas exercem o poder — o encenam. Criam personagens, fabricam realidades paralelas e operam a partir do culto à própria imagem. Quando a verdade ameaça esse teatro, tratam de desmontá-la — ou substituí-la por outra.



Quando a política se torna performance


Na última semana, Trump recebeu Benjamin Netanyahu na Casa Branca. O primeiro-ministro israelense lhe entregou pessoalmente uma carta o indicando ao Prêmio Nobel da Paz. No dia seguinte, ao se reunir com líderes africanos para discutir comércio, Trump exibiu o documento em público e pediu a um dos presidentes que o apoiasse ali mesmo. Em seguida, comentou o “inglês perfeito” do presidente da Libéria — sem saber que o idioma é oficial no país desde o século XIX. O presidente liberiano apenas sorriu e acenou com a cabeça.


Esses episódios, encadeados cuidadosamente, mostram como Trump transforma eventos oficiais em cenas cuidadosamente construídas de autopromoção. A diplomacia é substituída pelo espetáculo. O poder vira performance.


O Palácio dos Espelhos – Vaidade como método de poder por Valéria Monteiro

Foto: Amos Ben Gershom, Procurador-Geral


Putin e Netanyahu: manipulação como regra.


Putin cultiva sua imagem como líder inflexível em meio a uma guerra prolongada. Netanyahu, por sua vez, usa o conceito de genocídio como ferramenta política seletiva, validando ou negando sofrimentos conforme a conveniência do poder — exigindo o reconhecimento pleno do Holocausto, mas rejeitando que se use a mesma palavra para descrever os ataques contra os palestinos, mesmo quando questionado por organismos internacionais.


Não há elegância aí — há manipulação sistemática da linguagem, da moral e da memória. São líderes que não hesitam em distorcer os fatos, se isso mantiver suas narrativas vivas.



Uma aliança de vaidades — e suas rachaduras


Apesar das convergências, as vaidades não se somam — colidem. Nesta semana, Trump sinalizou que poderá voltar a apoiar a Ucrânia, se a Rússia não recuar. Um gesto que quebra, ao menos simbolicamente, a aliança tácita entre Trump e Putin, construída à base de admiração pública e interesses comuns.


Esse episódio indica que a extrema-direita global, que subiu junto, pode também ruir junta, quando seus líderes deixam de se servir mutuamente. O conflito entre egos pode fazer o que a política institucional não conseguiu: desmantelar o teatro.



A resposta precisa ser coletiva — e humanista


A resistência a esse modelo não pode ser individual. O enfrentamento à vaidade como método de poder exige coesão democrática, mobilização de valores éticos e clareza de projeto.


É preciso mais do que responder a cartas. É preciso escrever novas páginas — com coragem, sobriedade e visão de futuro.

O Brasil mostrou que não se curvará ao espelho. Agora, é hora de olhar para o mundo — e reconstruir alianças com base no que temos de melhor: nossa identidade, nossa memória, nossa vontade de ser mais do que reflexo.



📎 Leia também:

A carta de Trump ao Brasil: choque, reação e oportunidade.


O Palácio dos Espelhos – Vaidade como método de poder.

Por Valéria Monteiro.

Jornalista, fundadora do site valeriamonteiro.com.bre

ex-âncora da TV Globo e Bloomberg.

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